sábado, 28 de abril de 2012

REDAÇÃO DE PORTUGUÊS



 Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingênua, silábica, um pouco átona. O contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos.
O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu esse pequeno índice.
De repente, o elevador para, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo. Mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos.
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e para justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal e entrou com ela em seu aposto. Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato cm gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar. Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial e rapidamente chegaram a um imperativo. Todos os vocábulos diziam que iam terminar num transitivo direto. Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentido seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula. Ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras. Estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez: ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.
Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do singular. Ela um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentido o seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso, a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuada edição tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios o seu particípio na história.
Os dois se olharam e viram que isso era melhor do uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontando para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

Autor Desconhecido

Um abraço

sábado, 14 de abril de 2012

AS APARÊNCIAS ENGANAM

O primeiro super-herói da minha vida surgiu ainda quando eu estudava na 3ª série do primeiro grau - hoje, 3º ano do fundamental menor. Era um colega de turma cujo nome não publicarei, para não ter problemas com direitos autorais ou coisas do gênero.
Naquela época, nada no mundo poderia me convencer a tomar um banho logo cedinho, antes da aula. Isso porque havia algo imbatível e insuperável: o frio. No máximo, eu conseguia lavar os pés!
Mas havia alguém, que para mim, tinha superpoderes. Ele conseguia fazer algo que estava além das minhas forças: todos os dias ele chegava com o cabelo bem molhadinho, o que, para mim, era prova irrefutável de que ele tomava banho logo cedo.
Eu ficava pensando: esse cara é mesmo demais. Num frio desses, ele ainda toma banho! E a cada dia que ele chegava de cabelos molhados, minha admiração e um pouco de inveja cresciam.
Um dia, contudo, no caminho para a escola, encontrei um outro colega de classe. Ele me chamou para irmos na casa desse meu herói pueril a fim de chamá-lo para a aula.
Sua mãe estava varrendo a calçada da casa e nos disse para entrar. Nós entramos e para minha tristeza, eu me deparei com aquela cena ridícula: o menino, meu herói, estava com a cabeça enfiada num alguidar, molhando os cabelos. E só! Sabe quantas vezes ele tomava banho? NENHUMA!
Depois daquilo, eu passei a sentir um misto de alívio - outros também não tomavam banho antes da aula - e decepção - meu primeiro super-herói era uma farsa. 
A grande lição para minha vida é que nem tudo o que parece ser, é.


Um Abraço