A criatividade é um dos predicados mais valorizados nos profissionais de qualquer área. Na educação, não é diferente. Para fazer frente ao desestímulo da maioria dos alunos, os professores necessitam ser criativos. Às vezes, são obrigados.
Dia desses, eu estava falando sobre cantigas medievais, explicando os conceitos relativos a essa manifestação literária portuguesa e observando nos semblantes dos alunos uma crescente impaciência, como se tudo o que eu dissera até o momento provocasse mais tédio do que propriamente reflexão. Assim, à medida que o tempo passava, minha angústia crescia: "Como poderia atrair a atenção desses alunos?", pensava. Nesse momento, a criatividade fez toda a diferença.
Eu propus à turma estabelecer um paralelo entre uma cantiga de amigo (poesia escrita para ser cantada com acompanhamento de instrumentos como flauta, viola e alaúde e cujo eu lírico adotava a perspectiva feminina) e a música "olhos nos olhos", de Chico Buarque, tendo em vista os aspectos comuns entre as duas obras. O problema é que quase ninguém conhecia o cantor e menos ainda a música. Então, com o intuito de envolver os alunos, tive uma brilhante ideia: cantar. Mais que isso, interpretar a canção. Com muita emoção. Com uma voz acostumada a grandes apresentações no chuveiro. Uma voz potente, capaz de alcançar tons de grave e agudo com uma facilidade inacreditável, mesmo estando rouco (é bom que se frise). Quando olhei para o lado, vi uma menina chorando. À esquerda, três dos alunos mais trabalhosos, estavam quietos e com os olhos marejados. No fundo da sala, um grupo se preparava para fazer aquela dancinha fraternal - aquela em que as pessoas dão-se as mãos e vão de um lado para o outro em movimentos repetidos e suaves. À porta, alguns alunos que iam beber água (o que poderia ser mais importante do que beber água para aquelas criaturas?!?!) pararam para ver minha performance. Os alunos das outras turmas começavam a chegar, uns quase pisoteando os outros para conseguir o melhor lugar. Os corredores da escola ficaram completamente lotados. A direção da escola sem saber do que se tratava. Mas como tudo o que é bom dura pouco, eu comecei a ouvir um barulho diferente, extrínseco ao ambiente que se formara: tum, tum, tum, tum! Era o despertador, avisando que eu precisava acordar e ir trabalhar.
Um abraço!