sábado, 28 de julho de 2018

(SUR)REALIDADE

O Surrealismo foi um movimento artístico-literário nascido na década de 1920, na França, como uma das Vanguardas Europeias que dariam forma ao Modernismo no período compreendido entre as duas Guerras Mundiais. Alinhado com as ideias Freudianas, a essência do Surrealismo era libertar a mente da lógica imposta pelos padrões de comportamento da sociedade e dar vazão aos sonhos, ao inconsciente, ao ilógico e a uma espécie de suprarrealidade que muitas vezes vai além da inteligibilidade humana. É possível que isso explique o fato de chamarmos de surreal algo que vemos e não conseguimos compreender, como um episódio que aconteceu em uma escola de uma distante cidade.
Imagine que você é um estudante do 5º ano do Ensino Fundamental, com longos 17 anos de experiência de vida. Em meio a uma aula, o seu lápis desaparece. O que você faz? Reclama com o professor? Chama a direção da escola? Pergunta aos colegas se alguém viu o objeto? Esquece e continua as atividades sem problemas? Se você for o aluno protagonista da história (sur)real que segue, nenhuma dessas hipóteses é suficiente para resolver o problema.
Era um dia normal de aula. Em determinado momento, porém, um adolescente, daqueles de difícil convivência em função de sua indisciplina, saltou da cadeira e reclamou:
- Cadê o "mô"¹ lápis? Alguém "robô"! Eu quero o "mô" lápis!
Mesmo sabendo que um lápis nas mãos daquele indivíduo seria tão útil quanto um fuzil AK-47 nas mãos de Mahatma Gandhi, a professora prontamente abriu a própria bolsa e retirou um lápis novo em folha e o ofereceu ao aluno, para compensar o absurdo prejuízo do qual ele reclamara. O aluno, entretanto, respondeu, em tom de ameaça:
- Eu quero o "mô" lápis, senão...
A professora naturalmente ficou com medo, pois já conhecia o histórico de mal comportamento e, até mesmo, de agressividade do rapaz. O que ela fez, então? Como não poderia chamar o BOPE, ela chamou a direção da escola. Uma comissão formada pela direção e coordenação dirigiu-se até a sala de aula. Explicada a situação, a diretora saiu e quando voltou trouxe uma caixa de lápis ainda lacrada para dar ao aluno. Se aceitasse, ele teria um lucro de 1100%. Ele não quis. Simplesmente repetiu:
- Eu quero "mô" lápis!
A equipe argumentou que não poderia encontrar o tal lápis. E o adolescente insistiu:
- Eu quero o "mô" lápis. Se não aparecer até o final da aula, eu vou levar uma dessas cadeiras pra casa. E se o vigilante vier com gracinha, ele vai ver o que eu faço!" 
Em consenso, a equipe decidiu orientar o vigilante a não intervir, caso o aluno resolvesse cumprir o que prometera.
O problema é que o tempo foi passando e a aula chegou ao fim. O lápis não apareceu. O aluno, claro, foi embora sem problemas e todos ficaram aliviados, certo? Errado! O indivíduo pegou a cadeira, colocou nas costas e saiu tranquilamente pelos portões da escola, ostentando um sorriso cínico de canto de boca. Os funcionários, os alunos e as pessoas que passavam olhavam aquela cena e não entendiam nada. Era como um cego tentando interpretar Terra Lavrada², de Joan Miró. Era uma cena digna de fazer parte do filme Cão Andaluz, de Salvador Dalí e Luis Buñuel.
Nos momentos que se seguiram, a direção entrou em contato com a Polícia Militar, pois aquela situação tinha evoluído de um simples ato de indisciplina para um ato infracional (eufemismo imposto pela legislação para crimes cometidos por menores de idade). A Polícia dirigiu-se à casa do rapaz e, ao chegar lá, deparou-se com o adolescente sentado na dita cadeira na calçada de sua casa. Ele foi conduzido à Delegacia, foi ouvido e depois liberado. A cadeira foi devolvida pela Polícia. O aluno foi encaminhado ao Conselho Tutelar que obviamente recomendou a transferência do aluno, certo? Errado! O órgão responsável por garantir os direitos das crianças e adolescentes disse que o aluno deveria retornar às aulas, argumentando que nenhum adolescente pode ficar sem estudar.
O que mais me surpreende nessa história é saber que tudo isso aconteceu por causa de um lápis. Fico imaginando o que esse rapaz faria se ele tivesse perdido uma janela...

Um abraço!

¹ meu
² Terra Lavrada












sexta-feira, 27 de julho de 2018

A ARTE DA CONQUISTA

Conquistar alguém nunca foi uma tarefa fácil. Na minha época de adolescente era um enorme desafio. Em primeiro lugar, porque não havia redes sociais de modo que o contato era unicamente olho no olho. Quanto mais tímido, menos chance de "descolar" você teria. Além disso, a marcação dos pais era cerrada. Encontrar sua paquera sozinha na praça ou dando sopa em uma festa era um acontecimento raríssimo. Mas as coisas mudam e esses dias eu pude testemunhar como o processo de conquistar uma namorada está, digamos, exótico.
Tudo começou quando percebi, entre uma explicação e outra, meus alunos conversando sobre namoro. Um desses alunos, em especial, chamou-me a atenção pois, até então, o interesse dele se resumia a chamar palavrões. Em tempo: os vocativos presentes nas suas frases sempre eram palavrões. E, movido pela curiosidade, resolvi entrar na conversa.
Com toda aquela empáfia de quem conhece do riscado, comecei a dar conselhos sobre como abordar uma menina, quais coisas deveriam ser ditas, como trabalhar a expressão corporal (claro que não especificarei o que disse , pois não quero correr o risco de ser avaliado pelos leitores, não é?).
A sirene tocou, avisado o término da aula. Eu estava certo de que o menino tinha entendido perfeitamente a mensagem. Para minha surpresa, entretanto, o menino saiu em disparada e deu de cara com sua amada, que vinha em sentido contrário. Quando eu menos esperava, ele pegou uma bola de papel que ele tinha confeccionado carinhosamente durante a aula e lançou em direção à menina. O objeto fez uma trajetória retilínea e acertou o meio da testa da menina. Ela saiu correndo, cambaleando, tentando pegá-lo. 
"Que desastre", eu pensei. "Como é que o cara vai conquistar a menina jogando uma bola de papel na sua cabeça? Pode esquecer!", arrazoei com meus botões.
No dia seguinte, porém, ao passar pelo corredor, vi os dois juntos. Ainda sem acreditar, iniciei uma criteriosa investigação para saber se eles estavam namorando. Apesar de os resultados das investigações apontarem para a confirmação do relacionamento, eu ainda não acreditava. A ficha só caiu quando eu perguntei e os dois confirmaram.
Hoje, eu os vi novamente juntos. Fiquei com a impressão de que esse relacionamento será duradouro, talvez termine em casamento. Como cheguei a essa conclusão? Eles começaram a trocar socos e empurrões assim que se encontraram.

Um abraço!