Em tempos de pandemia, de distanciamento social e de reclusão quase que absoluta em casa, eu estou sentindo muitas saudades de coisas que até pouco tempo atrás eram corriqueiras como apertos de mão firmes, abraços calorosos, conversas despreocupadas e, pasmem, a minha estressante rotina escolar. É importante deixar claro que o fato de nós, professores, estarmos em casa não é uma escolha nossa. Isso foi devidamente acordado por meio de reuniões entre o poder público e autoridades sanitárias como forma de reduzir a probabilidade de contágio por coronavírus, tendo em vista que as salas de aula seriam locais potencialmente suscetíveis à proliferação viral. Como consequência, temos uma condição fundamentalmente atípica: em pleno mês de abril, nós não temos aula. Professores e alunos, essa relação social, comensalista e simbiótica simplesmente está suspensa. Tudo isso fez com que eu passasse a ver alguns aspectos da vida de professor com outros olhos.
Inicialmente, eu sempre considerei acordar às 5:30 da manhã algo bastante custoso. Principalmente naquelas manhãs chuvosas em que o cobertor enrola nas nossas pernas e quase não nos deixa sair da cama ou depois de uma noite na qual nós assistimos nossos times do coração até altas horas. Mas, à medida que o tempo vai passando, ficar duas horas e meia a mais na horizontal, em vez de descansar, acaba nos deixando entediados, talvez aborrecidos.
Além disso, a falta de interação com nossos colegas de profissão é um problema que a tecnologia suaviza, mas não resolve. Como seria possível representar o ambiente de uma sala de professores com suas idiossincrasias? Discutir os problemas concernentes à educação e à sociedade, reclamar das condições de trabalho que às vezes enfrentamos, reportar acontecimentos ocorridos em salas de aula, trocar experiências e conhecimentos e formar aquela velha resenha enquanto tomamos um cafezinho jamais será possível virtualmente. E os alunos? Bem, isso é um capítulo à parte.
Aquele barulho que eles fazem arrastando as cadeiras soam hoje como a 9ª Sinfonia de Beethoven (Ode a Alegria)¹, os gritos estridentes fazem-me lembrar dos acordes meticulosamente afinados da guitarra de Slash², os pedidos incessantes e impacientes para ir ao banheiro ou beber água fazem parecer que nós estamos no controle da situação, o palavreado muitas vezes de baixo calão hoje reverberam na mente como um poema parnasiano³. Eu sinto muita falta disso. Todos os professores sentem. Do calor humano de cada um que nos cumprimenta com um gesto carinhoso ao entrar na sala, mas também daqueles que passam e sequer dizem "bom dia." Sentimos falta das piadas infames, dos atrasos nas atividades acompanhados de desculpas esfarrapadas. Sentimos saudades até mesmo quando eles estão com os maiores problemas da humanidade da semana passada. Sentimos saudades das conversas intermináveis, do compartilhamento de respostas das atividades e do vácuo sonoro quando perguntamos alguma coisa.
Foi preciso chegar uma epidemia de grandes proporções para sentirmos a imprescindibilidade dos alunos na nossa vida corriqueira. Nós éramos felizes e não sabíamos!
²Guitarrista do Guns N'Roses
³ Escola literária que tinha o rebuscamento da palavra como uma de suas características principais.