Você conhece alguém que está aprendendo a tocar algum instrumento? Você conhece alguém que conhece alguém que está aprendendo a tocar algum instrumento? Não?! Sorte sua. Vou explicar.
Alguns anos atrás, eu tinha um aluno determinado a aprender a tocar flauta. Quando ele acordava, antes mesmo de escovar os dentes, já estava soprando sua flauta. Na escola, em meio a livros, cadernos e canetas, o instrumento tinha lugar de destaque. No ínterim das aulas, aquelas melodias soavam. Todos os dias. O dia todo. Do início ao fim do horário de aulas, era possível ouvir as notas musicais reproduzidas por aquele instrumento de sopro.
Às vezes, eu perdia a paciência:
- Menino, pare um pouco!
- Professor, estou aprendendo. Vou tocar mais baixo.
E assim caminhava a humanidade: minhas aulas eram ministradas, à exceção de pausas forçadas, no embalo da melodia do aluno-flautista. Um dia, porém, ele começou a tocar uma música da qual eu tinha ódio, daquelas irritantes (todos temos uma música assim) e mesmo pedindo várias vezes para o menino parar, ele continuou. Não restando mais o que fazer, convidei o indivíduo a retirar-se da sala. Ele prontamente atendeu, mas ficou em um local próximo, possibilitando a mim ouvir tudo o que ele produzia. Terá sido de propósito?
O fato é que aquilo irritou-me sobremaneira. De tanto ouvir os acordes, a música ficou na minha cabeça tal qual uma lembrança ruim. À noite, antes de dormir, a música reverberava na minha consciência. Mas o sono foi mais forte e consegui adormecer. Lá pela madrugada, contudo, tive um pesadelo muito real e assustador, digno de um conto de Edgar Allan Poe. Eu sonhei que estava voltando para minha casa. As horas já eram avançadas. A rua, escura como o breu, poderia esconder perigos e armadilhas para alguém desavisado. Foi então que ouvi um barulho um tanto familiar. Fingi não dar atenção e continuei andando. Mais à frente, voltei a ouvir o dito barulho - parecia uma nota musical - cuja intensidade ia paulatinamente aumentando. Algum tempo depois, o mesmo som. Não resisti: olhei para trás e vi uma música aproximando-se rapidamente de mim. Não era qualquer música. Era aquela que o menino tocava. Era uma música horrível. Tinha dentes enormes e pontiagudos, olhos esbugalhados e vermelhos, cabelo negro encobrindo suas orelhas de abano e usando uma camiseta com um símbolo parecido com uma caveira. As pernas eram finas como as de um pardal e os pés pareciam duas lanchas. Ao ver aquilo, pensei duas coisas: "isso parece uma mistura de funk com sertanejo e reggae das antigas", e "essa miserável não consegue me pegar."
Então, sem esperar pelo pior, saí em disparada de modo que os meus calcanhares batiam nas minhas nádegas. E a música correndo atrás de mim - pega, não pega, pega, não pega - e quando ela estava quase me alcançando, acordei. Foi um momento de grande alívio perceber que tudo não passava de um pesadelo. Até hoje, há duas coisas que não consigo fazer: aprender a tocar algum instrumento e ouvir música sozinho.
Um Abraço
Danilo, as suas produções textuais são incríveis, continue a escrevê-las.
ResponderExcluirUm abraço,
Emanuella.
Manu, enquanto eu tiver algo a dizer, eu o farei. Obrigado pela visita e, se puder, divulgue o blog para seus amigos, por favor. Abraço
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