sábado, 27 de julho de 2013

ONDE SE GANHA O PÃO, NÃO SE COME A CARNE...

Ainda na primeira metade dos anos 2000, eu comecei a lecionar no ensino médio. A princípio, isso resultou numa combinação explosiva, quiçá nitroglicerínica, entre inexperiência e hormônios à flor da pele. O deslumbramento com algumas meninas deixava o lado profissional em segundo plano. E como "quem procura, acha", eu achei.
Achei muitas meninas simpáticas, algumas bonitas e duas lindas sobre as quais coloquei os olhos. Nos dias seguintes, busquei informações sobre elas. Fiquei sabendo que uma delas tinha namorado, mas a outra estava solteira. Incentivado pela curiosidade, investiguei sua vida e descobri seu endereço, seu CPF, seu tipo sanguíneo, seu time de coração, sua cor preferida, entre outros detalhes importantes, além da sua idade. Àquela altura, a diferença de idade - eu, 24 e ela, 16 - não poderia representar um problema. Poderia? Bem, "como quem está na chuva é para se molhar", fui verificar.
Um dia, então, durante uma festa da escola, ela me chamou para dançar. Meu estilo de dança era o estilo "pilastra de concreto"¹. Acho que ela gostou. E música vai, música vem, eu a beijei. Naturalmente, depois de alguns dias, resolvemos engatar um namoro: esse foi o problema. A menina revelou-se muito apressada (se é que vocês me entendem!) e as coisas começaram a ficar sérias. De um lado, a vontade de aproveitar a chance. Do outro, o senso de responsabilidade. Eu pensava: qual dos dois é o mais forte?
Depois de alguns dias, concluí: aquele que eu alimentar mais. Era isso. Felizmente, eu decidi recuar e terminei o namoro da maneira mais cuidadosa possível. Tudo parecia ter ficado bem. Entretanto, nos dias subsequentes, a menina não veio à aula. Uma, duas, três semanas e nada. Todos perguntando por ela. Os boatos correndo a escola à boca miúda. Ligações não atendidas, mensagens não respondidas. Tentativas em vão de falar com ela.
Para piorar o cenário, a diretora da escola me chamou para conversar. Eu expliquei a situação, mas saí da sala da direção muito preocupado. Afinal, uma eventual desistência da aluna entraria na minha conta e, sinceramente, uma das piores coisas da vida de um professor é saber que alguém abandonou a sala de aula por sua culpa. A partir desse momento, criei uma força tarefa para trazê-la de volta à escola. Arquitetei um plano perfeito. Convenci sua amiga a marcar um encontro com ela, de modo que eu, sorrateiramente, pudesse aparecer, como os heróis de filmes fazem. Assim aconteceu. Quase que à força ela enfim me ouviu. Foram horas de um intenso monólogo, explicações e muita argumentação. Ela aceitou. Eu tinha conseguido. Tinha convencido pelo cansaço. Ela afirmou que voltaria às aulas naquela semana e eu retirei das costas um piano enorme sobre o qual encontrava-se deitado um elefante branco.
No dia seguinte ao nosso encontro - que ocorrera num domingo - voltei a conversar com a diretora. Ela me disse: "onde se ganha o pão, não se come a carne" e saiu, com um sorriso irônico, emblemático. Na hora, eu não entendi. Mas, analisando toda a situação, aquelas palavras caíram como um luva. Eu aprendi isso algum tempo depois e como não sou vegetariano, ainda tive tempo de provar alguns pedacinhos de carne...

¹ Estilo de dança contemporâneo, criado por mim, e que consiste em ficar parado, numa posição perpendicular ao solo.

Um abraço!

sexta-feira, 19 de julho de 2013

AFETIVIDADE!?!?




Qual é a primeira coisa que vem à sua cabeça quando você ouve a palavra AFETIVIDADE? Se sua resposta é amor, carinho ou algum sentimento afim, saiba que seus pensamentos seguem a mesma linha de raciocínio da grande maioria dos profissionais de educação. É muito comum as pessoas conceberem afetividade como um sentimento cuja existência pode ser demonstrada unicamente através de atitudes de carinho com alguém. Isso pode ser explicado se observarmos apenas o prisma etimológico da questão.
Ocorre que, considerando-se o contexto pedagógico, o termo afetividade não é um mero sinônimo daqueles sentimentos. Afetividade consiste na forma como os estímulos externos (um olhar de aprovação ou reprovação, uma informação fornecida pelo meio, a organização do ambiente) ou internos (o medo, a fome, a alegria) afetam os indivíduos. Essa é a relação de afetividade.
De acordo com Abigail Alvarenga Mahoney, pesquisadora do Programa de Estudos de Pós-Graduados em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), todos os seres humanos são afetados positiva e negativamente e reagem aos estímulos do meio. Dessa forma, pode-se concluir que o fenômeno da afetividade é observado nos casos em que há interação entre os seres ou entre os seres e o meio, independentemente de ser uma relação baseada no carinho ou uma situação traumática a qual um indivíduo seja submetido. Em ambos os casos, o indivíduo é afetado. Partindo desse pressuposto, é possível concluir que a afetividade, como aspecto intrínseco a todo indivíduo, apesar de ser algo interior, é desenvolvido pelas interações, ou seja, uma demonstração de carinho por si só não é suficiente no sentido de garantir a afetividade. Torna-se necessário que a pessoa a quem o gesto foi direcionado produza alguma resposta. 
Definitivamente, o estímulo que o meio produz é decisivo para o desenvolvimento do indivíduo. Sendo assim, entregar prédios bem equipados, limpos e adequados às necessidades dos alunos, manter os professores atualizados e qualificados, reunir uma equipe pedagógica comprometida são requisitos indispensáveis para a garantia do crescimento cognitivo e social dos alunos. O oferecimento desses recursos produzirá respostas positivas dos alunos e isso constitui-se em iniciativas infinitamente mais importantes do que chamá-los o tempo todo de "meu amor." 










Um abraço