quarta-feira, 27 de novembro de 2013

NÃO ASSASSINE O PORTUGUÊS!

Nada é tão ruim que não se possa piorar. O pressuposto trazido nesse adágio popular é facilmente empregado em qualquer ambiente, inclusive na língua. Isso porque, depois do arrefecimento de um processo linguístico denominado gerundismo - o uso excessivo e desnecessário do gerúndio, que deu origem a frases do tipo "eu vou estar verificando..." ou "nós vamos estar fazendo...", surge um outro fenômeno ao qual eu resolvi chamar de subversão de particípio. Nomenclatura complicada? Talvez. Mas isso ilustra bem a questão.
Inicialmente, eu ouvi alguém dizendo: "Se eu soubesse, eu teria trago a carne." Bem, a forma "trago" existe, entretanto equivale à primeira pessoa do presente do indicativo do verbo trazer (ou tragar, que não vem ao caso), e definitivamente não é particípio. O correto seria: "...eu teria trazido a carne." Isso mesmo: trazido. O verbo trazer tem apenas uma forma para o particípio.
Além disso, eu tenho um cunhado que adora dizer: "Você deveria ter falo isso pra mim!" Ora, a forma "falo" também pertence à primeira pessoa do presente do indicativo. O particípio do verbo falar é falado. Simples assim. Por que então complicar o negócio? Isso não só é um equívoco gramatical como também denota uma feiura extrema, que faria Olavo Bilac se contorcer no túmulo.
Mas o pior é que pessoas com formação superior também fazem uso desse tipo de construção. Dia desses, uma pessoa soltou: "Eu deveria ter peço ajuda!" Peço?!?! Horrível! 
Eu quero deixar claro que não sou paranoico em relação ao uso da língua. Numa conversa informal, sempre há deslizes ou emprego de termos, digamos, menos eruditos, mas "...ter peço" é uma afronta. E o pior é que as pessoas que falam assim acham que estão na vanguarda linguística e consideram assassinos do português aqueles que eventualmente disserem "...ter pedido" numa oração análoga.
Apenas a título de esclarecimento, há verbos chamados abundantes que admitem dois particípios - o sintético e o analítico. Um exemplo é o verbo expulsar. Dependendo do verbo auxiliar com o qual ele se relaciona é possível dizer expulso ou expulsado. Observe as orações: "O jogador foi expulso ainda no primeiro tempo" e "Ainda no primeiro tempo, o juiz já tinha expulsado três jogadores". Na primeira oração, o verbo expulsar se relaciona com o auxilar SER e portanto pede o particípio sintético (curto). O mesmo ocorreria se o auxiliar fosse o verbo ESTAR. Por outro lado, na segunda oração, o auxiliar é TER. Nesse caso, o particípio deve ser analítico (longo). Da mesma forma aconteceria se o auxiliar fosse o verbo HAVER.
Eu não sou preciosista no tocante ao uso da língua e tampouco acho que a estética do palavreado deve ser mais importante do que o conteúdo ou a informação apresentada - como se pode ver no parnasianismo, mas é preciso combater esses insultos à nossa língua materna ou do contrário, nós, que já nos cansamos de estar ouvindo gerúndio depois de gerúndio, ouviremos: eu já tinha ouço isso" ou "eles deveriam ter compro outra casa". Não é isso que queremos. Vamos respeitar nossa língua, pois ela é nossa identidade, nosso tesouro social.

Um abraço.

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