sexta-feira, 28 de agosto de 2015

COMO É O SEU NOME?

Desde a minha época pueril, eu sempre acreditei que o cúmulo da distração era comer o guardanapo e limpar a boca com o bife. Entretanto, no cotidiano escolar sempre é possível encontrar algum fato que desconstrua esse tipo de verdade universal.
Alguns dias atrás, um aluno, ao finalizar uma atividade, perguntou o meu nome para colocar no cabeçalho. Eu, surpreso com a indagação, repassei a informação solicitada. Porém, em vez de dizer meu nome, por considerar um período de cinco meses suficiente para se aprender o nome de alguém, resolvi fazer um teste:
- Roberto, eu disse.
O menino não titubeou. Ele deu uma olhadela na minha direção, escreveu o nome e entregou a atividade.
Mesmo vendo, custei a acreditar. Era inexplicável o fato de aquele aluno não saber o meu nome. Teria sido uma brincadeira? Seria possível que um aluno não soubesse o nome de seu professor depois de cinco meses de interação? Um mundo de possibilidades se abriu. Primeiro, eu imaginei que o menino não consideraria importante guardar nomes, hipótese logo afastada porque o indivíduo sabia não apenas o nome do primeiro-ministro inglês durante a segunda guerra mundial, como também que o nome verdadeiro de Pablo Neruda é Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto e, de quebra, lembrava o nome do segundo colocado na prova de levantamento de peso das olimpíadas de Londres.
Outra possibilidade, digamos fisiológica, seria uma eventual falha do sistema auditivo do aluno que o impedia de ouvir muitas coisas e, entre elas, o meu nome. Porém, consultando colegas, fiquei sabendo que o menino era capaz de ouvir o zumbido de um pernilongo ao lado de um trio elétrico no meio uma micareta.
Finalmente, cheguei à conclusão mais plausível: a síndrome da distração incontrolável. Trata-se de uma síndrome silenciosa que afeta boa parte dos adolescentes do séc. XXI e que deixa o indivíduo em estado de incapacidade de perceber as coisas mais óbvias. Uma pessoa dessas pode, tomando conta de duas tartaruguinhas, deixar uma delas fugir ou usar o dicionário de Inglês na prova de Matemática.
A fim de esclarecer a situação, procurei o menino alguns dias depois:
- Rapaz, você trocou meu nome por “Roberto” no trabalho...
- Professor, eu estava na dúvida. Perguntei o seu nome e o senhor disse que era “Roberto”. Então, coloquei. Se o senhor disse, é porque sabe mais do que eu!
A partir dessa explicação, tudo parecia estar resolvido. Parecia. Quando fui saindo, o menino perguntou:
- Professor, como é mesmo o seu nome?


Forte abraço!

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

MAIS UM SÁBADO É ASSIM...

Imagine, depois de uma semana cansativa e estressante, você tomar um belo banho na sexta à noite e se recolher à sua cama quentinha, encostar a cabeça no travesseiro ávido por algumas horas de descanso e, subitamente, lembrar que quando você acordar, em vez de sábado, você estará numa quinta-feira! O que parece um devaneio é, na verdade, a situação absurda na vida dos professores da minha cidade. Pela terceira vez apenas esse ano, fomos à escola em dia de sábado para dar as aulas da quinta-feira. Mas o que justificaria isso? Haveria uma explicação minimamente lógica para tal absurdo?
Em primeiro lugar, esses sábados letivos são uma tentativa de garantir aos estudantes o direito assegurado pela Lei a duzentos dias letivos. Mas apesar de reconhecer a irrefutabilidade da Lei, todos sabemos que a responsabilidade por um eventual descumprimento da Lei é da (indi)gestão que temos na Secretaria Municipal de Educação. Isso porque, pela enésima vez, o órgão não conseguiu se planejar para iniciar as aulas no período correto e não tem a humildade de admitir a responsabilidade, transferindo-a para professores e alunos.
Além disso, a preocupação do secretário não é a reposição de aulas para os alunos. Ele sabe que essas aulas não funcionam por um motivo simples: os alunos não vem para a escola! E se eu fosse aluno, também não viria. Sábado é um dia destinado ao descanso e ao lazer. A intenção fundamental do gestor é retaliar, é mostrar quem manda, é constranger os professores a estarem na escola, mesmo que não haja três alunos por sala, como aconteceu no último sábado. E pior: mesmo não havendo quórum mínimo para se ministrar uma aula, os professores são obrigados a permanecer na escola até o término do "expediente", sob a ameaça de sofrerem descontos em seus vencimentos. Até os docentes que vem de outras cidades e não encontram alunos tem de permanecer na escola.
Este tipo de atitude revela como essas pessoas pensam a educação. Sem a menor condição técnica, sem ideias que melhorem a qualidade dos serviços e sem respeitar o próximo nem da perspectiva profissional e tampouco pessoal, eles não passam de meros perseguidores sanguinários, vingativos e escamoteadores da dignidade alheia.
Eles sabem que educação não é uma ciência exata. Mesmo quando professores e gestores estão alinhados é difícil conseguir bons resultados. Quando, porém, não existe esse alinhamento, como acontece em nossa cidade, o fracasso do processo é uma certeza. E nenhum esforço, nenhum aceno, no sentido de buscar o entendimento e melhorar as relações, é feito por parte da secretaria, o que deixa claro o seu desinteresse em proporcionar uma educação melhor.
Nesse contexto, mais um sábado foi assim: levantei, fui à escola e vi que, num universo de cerca de 400 alunos, havia, no máximo, uma dezena deles. Nas salas de aula, encontrei cadeiras vazias, às quais desejei um bom dia. Não obtendo resposta, retirei-me da salas... Elas, as salas de aula, estavam mais ou menos assim:










Um Abraço aos meus Colegas e Alunos!

sábado, 8 de agosto de 2015

No último dia 02 de Junho de 2015, foram aplicadas as provas da primeira fase da OBMEP - Olimpíadas Brasileiras de Matemática das Escolas Públicas. A princípio, trata-se de uma avaliação diagnóstica cujo objetivo principal é verificar o nível de conhecimento lógico-matemático dos alunos, além de proporcionar àqueles que se destacarem a chance de receber bolsas de estudo e de iniciação à pesquisa e, até mesmo, de ocupar os bancos de instituições de ensino superior de renome internacional. O grande problema é que a esmagadora maioria dos alunos não consegue perceber a importância  dessa avaliação e, ano após ano, a aplicação dessa prova tem-se tornado uma tarefa sofrível.
Em que pesem a qualidade do material, a ampla divulgação nos meios de comunicação e a abordagem multidisciplinar das questões, o interesse dos alunos é irrisório. Como se não bastasse isso, quem aplica as avaliações, invariavelmente é submetido a uma espécie de tortura mental com potencial de deixar sequelas psicológicas pelo resto da vida.
Na fatídica data supracitada, eu fui encaminhado para uma turma de Ensino Médio, onde tive a oportunidade - oportunidade é força de expressão - de aplicar as provas. Inicialmente, como é de praxe, fui ler e explicar para os alunos as orientações contidas no caderno de provas. Nem bem li a primeira, um aluno, indignado, levantou-se e em voz arrogante, interrompeu-me:
- Professor, o senhor está achando que nós somos burros?!?! Nós já sabemos disso. Não precisa dizer mais, não. Todo ano é a mesma coisa. A gente já sabe!(grifo meu, pois as concordâncias não estiveram nem perto de ser observadas pelo falante).
Apesar desse protesto em voz de trovão, continuei a leitura e fiz os esclarecimentos devidos. Pouco tempo depois, uma menina disse:
- Professor, esses quadrinhos "é" pra botar a data de nascimento?
Eu respondi com uma pergunta:
- O que diz aí?
Ela disse:
- Data de nascimento!
Respondi:
- Então é provável que seja!
Quando finalmente eles decidiram começar a prova, eu resolvi sentar um pouco e, como amante da Matemática, fui tentar resolver algumas questões. No mesmo instante em que terminei de ler o enunciado da questão 1, vários alunos levantaram seus braços, dizendo que já tinham terminado. Nem cinco minutos haviam se passado. Mal havia dado tempo de o diabo esfregar os olhos!
- Um cara desses é um gênio!, pensei.
A partir daí, a minha missão era tentar convencê-los de que só poderiam entregar a prova depois de uma hora. Missão árdua, já que todos haviam lido cuidadosamente os enunciados das questões, feito os cálculos, marcado as alternativas corretas, preenchido o cartão-resposta, enfim, "concluído" a avaliação numa incrível velocidade de duas questões por minuto. Em determinado momento, uma menina disse:
- Professor, eu não sei minha data de nascimento! Só sei que eu tenho 16. O senhor não saberia?
Eu respondi:
- Eu, não! Como é que vou saber?
Ela retrucou:
- O senhor não é professor? Então deveria saber!
Depois de tudo, enquanto organizava as avaliações e os cartões-resposta, comecei a perceber uma coisa interessante: lembram do menino que protestou no início da aplicação da prova? Pois bem, ele colocou o nome no espaço destinado ao endereço, assinou no local destinado ao diretor da escola e perguntou se não haveria um local para colocar as digitais e, ainda, o que "danado é e-mail."
Foi assim, com essa indagação pertinente e quase filosófica, que venci mais uma aplicação da OBMEP.

Um abraço!