Há cerca de quatro séculos, o grande William Shakespeare escrevia "Hamlet", um dos maiores clássicos da literatura ocidental. Uma história com enfoque existencialista e filosófico, uma reflexão que transcende os limites da retórica e que é amplamente lembrada por aquele célebre sintagma: "ser ou não ser: eis a questão."
Mas, aqui, do lado de fora dos muros do Castelo de Elsinore, esse texto veio à minha memória ao ouvir o discurso de uma pessoa que acabara de ser nomeado diretor de uma escola. Dizia ele com uma firmeza verossímil:
- Eu não sou diretor. Eu estou diretor!
Essa assertiva provocou em mim, além de certa estranheza, alguns questionamentos. Decerto, eu não quis alternar momentos de loucura real com loucura dissimulada, nem tampouco arquitetar uma vingança. Eu senti apenas a necessidade de analisar o discurso, já que aquela não era a primeira que meus ouvidos eram invadidos por tais palavras.
Considerando o aspecto moral do discurso, é possível perceber uma tentativa de demonstração de humildade. Mas quem disse que humildade é provada com discursos isolados? A humildade precisa ser demonstrada e vivenciada todos os dias, através de atitudes e nas relações com as pessoas com as quais se convive. Ninguém precisa dizer que é humilde. Se alguém o for, as pessoas saberão. Além disso, esse discurso fornece elementos para uma interpretação maliciosa na medida em que aponta para uma fuga das responsabilidades, como se não existisse o desejo de assumi-las.
Conceitualmente, a diferenciação proposta entre os verbos ser e estar é uma questão fundamentalmente linguística. Em que pese essa dualidade de sentidos em português, na língua inglesa - idioma original da obra shakespeariana - existe apenas um verbo para indicar as duas situações. Assim, a diferença existe, mas não é tão considerável como imaginam as pessoas simpáticas a essa ideia.
Por fim, levando em consideração os aspectos práticos desse discurso, percebe-se facilmente toda a sua superficialidade. Nunca vi, por exemplo, um pai que quer resolver um problema do seu filho, chegar na escola e perguntar:
- Quem está diretor dessa escola?
Isso não acontece porque, na prática, enquanto alguém está, esse alguém é. Eu entenderia se a pessoa nomeada já assumisse o cargo sabendo que ficaria uma semana ou quinze dias. Nessa situação, o discurso do "eu não sou, eu estou" faria algum sentido. A não ser nessa hipótese, esse discurso é uma grande falácia.
A pessoa que assume um cargo de diretoria de escola precisa incorporar sua função. Precisa tentar exercer sua liderança sem, evidentemente, violar os princípios da gestão democrática. Precisa chamar para si a responsabilidade de gerir a escola em seus aspectos sociais, pedagógicos e administrativos. Esconder-se atrás de um discurso vazio de humildade é apenas uma maneira de encobrir uma eventual falta de preparo.
Um abraço!
Excelente texto primo...não conheço a fundo o contexto da situação descrita, mas concordo com suas palavras. Não conhecia seu blog, mas a partir de agora vou acompanhar suas publicações com certeza. Parabéns pela iniciativa.
ResponderExcluirDiana, minha intenção não é simplesmente mostrar minha discordância em relação às palavras do indivíduo. Quero, sobretudo, que as pessoas não tomem para si algo que ouviram e que acharam bonito sem fazer a devida análise. Isso é muito comum no meio dos professores, que devem ser formadores de opinião e não copiadores. Seja muito bem-vinda aqui. Há outros textos falando sobre assunto sérios e há também algumas situações engraçadas que vivenciei ou sobre as quais tomei conhecimento. Espero que goste! :-)
ResponderExcluirSÓ ALGUÉM COMO DANILO PODERIA ESCREVER ALGO TÃO BELO DO PONTO DE VISTA LITERÁRIO, COM UMA NATURALIDADE QUE QUASE FAZ RIR.É POR ISSO QUE VOU CONTAR COM VOCÊ PARA CONCLUIR O MEU LIVRO. VOCÊ É FERA. NÃO ENTENDO COMO JOSELEIDE PÔDE ESCOLHER OUTRO PROFESOR PREFERIDO...KKKKKKKKKKKKKKK
ResponderExcluirAQUI É JÚLIO CÉSAR
Valeu, Júlio César! Seja bem vindo aqui. Quanto ao livro, estamos aí. Já em relação às preferências de Josileide, não posso fazer nada a não ser aceitar... heheheheheh
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