Todos sabem, supõem ou desconfiam de que ser professor é algo extremamente estressante. A labuta nunca acaba quando termina. O profissional dessa área vai para sua casa após uma jornada de trabalho e o que ele faz? Trabalha, é claro! Ele planeja aulas, prepara tarefas, corrige atividades, pesquisa.
Em certos momentos, a carga de estresse é tão insuportavelmente grande que o profissional pensa seriamente em mudar de profissão. Foi o que aconteceu comigo ontem. Por alguns instantes, eu considerei a hipótese de entrar na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Afinal, subir aqueles morros segurando um fuzil AK-47 e trocar tiros com a bandidagem não deve ser tão estressante quanto encarar certos tipos de alunos.
Imaginem que eu preparei uma atividade de tradução e interpretação de texto. Configurei a página de modo que nela coubessem quatro cópias de um mesmo texto, para ser mais econômico e ambientalmente correto. Assim, ao chegar na sala de aula, passei todas as instruções para o aluno o qual teria a responsabilidade de repassar as informações para o restante da turma uma vez que eu precisava estar em outra turma naquele momento.
Acontece que, cerca de dois minutos depois, chega o menino:
- Professor, para que serve essa folha?
- Companheiro, vocês vão utilizar o texto para fazer a atividade.
- Entendi.
Ele retornou para sua sala, porém sequer passaram dois minutos e lá vem o mesmo cidadão de volta:
- Professor, é uma página para cada um?
- Não. Você deve recortar as páginas e distribuir, de modo que cada aluno fique com o seu texto.
- Ok.
Quando eu pensei que não, eis que o mesmo indivíduo vem até onde eu estava. Ao vê-lo vindo em minha direção, comecei a sentir algo estranho. O coração acelerou. Se eu tivesse problemas cardíacos, certamente teria sido acometido por um infarto do miocárdio.
- Professor, esse texto é para quê?
Eu respirei fundo, contei até trinta e cinco (até dez não seria suficiente) e respondi:
- Meu filho, você já leu o enunciado da atividade?
- Já!
- O que é que diz lá?
- Para procurar as palavras que eu já conheço e produzir um vocabulário.
- Pronto! É para fazer isso!
Certo de que não seria mais interpelado para responder às mesmas questões, voltei à minha aula. Contudo, por incrível que pareça, eu fui até a porta e vislumbrei aquele mesmo aluno, aquele filho de Deus, o dito-cujo vindo na minha direção, com uma cara de dúvida, coçando a cabeça e segurando uma folha de papel. Quando eu vi aquilo, numa atitude instintiva de autodefesa, saí em disparada correndo pela escola numa velocidade digna de fazer inveja até a Usain Bolt. Era uma tentativa desesperada de fugir. Graças a Deus, consegui me esconder perto do banheiro e depois que eu o vi passando, voltei pelo outro lado, fechei a porta da sala onde estava e fiquei esperando a aula terminar.
Depois de tudo, já calmo e sereno, eu encontrei o menino. Ele disse:
- Professor, procurei o senhor na escola inteira! Onde estava?
- Estive aqui o tempo todo. O que você queria?
- Eu só queria saber se o senhor gosta de graviola. Se gostar, amanhã eu posso trazer umas para o senhor.
- Que aluno gentil! Diga-me uma coisa: você conseguiu fazer a atividade?
- Bem, ainda estou com dúvidas.
- É mesmo? Posso explicar tudo de novo se você quiser...
Um abraço
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