Durante mais de dois anos em que trabalhei à tarde, numa cidade vizinha, eu tinha o hábito de levar uma fruta para comer na hora do intervalo. Isso porque, apesar de as cozinheiras da escola entenderem muito do riscado, eu não gostava de sopa ou de macarrão com carne moída no meio da tarde por causa do fogo do batatão (sensação de calor exacerbado típico de cidades do agreste potiguar).
Um dia, como de costume, eu estava lavando a minha fruta e preparando-me para saboreá-la. Mas, justamente nesse dia, não havia merenda na escola. Depois que dei a primeira mordida no suculento fruto, percebi um menino desconsolado, olhando fixamente para meu alimento vespertino. Fiquei um pouco inquieto, talvez constrangido, mas continuei me deliciando. Quando tornei a olhar na direção do menino, ele continuava olhando para minha fruta, fixamente. E mesmo sem ter certeza de que ele aceitaria, ofereci a fruta. Foi o mesmo que perguntar a um cego se ele quer ver!
O menino começou a comer a fruta. Freneticamente, ele abocanhava a pobrezinha, cravando seus incisivos centrais, laterias e caninos na polpa da fruta. A sua mandíbula trabalhava como se fosse um rolo compressor. Eu não resisti a assistir àquela cena por muito tempo. Um homem de neandertal, faminto há três dias, não teria tais modos. Então, fui ao banheiro e fiquei lá por cerca de cinco minutos. Ao sair, observei o menino ainda no mesmo lugar, mordendo alguma coisa.
- "O que será que ele ainda está comendo?!", pensei. "Aquela pobre fruta não pode ser. Dela, não escapou nem a alma!", arrazoei.
Como para dirimir essa dúvida, resolvi ir até o menino. Foi uma grande surpresa: ele já tinha devorado a polpa, mas não satisfeito, estava roendo o talo da fruta. O coitadinho do talo estava amassado, contorcido, destruído pelos molares do menino. Confesso, caro leitor, que tive muita pena do talo. E quando ia me afastando, o garoto perguntou:
- "Professor, que fruta é essa?"
- "Eu até poderia te dizer, mas como você a devorou com requintes de crueldade, não vou falar", respondi.
- "É goiaba? Maçã?", insistiu ele.
- "Faça o seguinte: pegue os restos mortais dela e leve até o Instituto de Criminalística. Lá eles te dirão", retruquei.
A fruta, caros leitores, era uma pera. Coitada dela.
Um abraço
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