quinta-feira, 15 de outubro de 2015

DIA DO PROFESSOR: COMEMORAR O QUÊ?

A cada ano, o dia 15 de Outubro, data alusiva aos professores e professoras de todo o país, acontece para a celebração desse profissional. Entretanto, o que temos para comemorar?
Inicialmente, nós podemos comemorar os discursos entusiasmados dos políticos (no próximo ano teremos mais uma demonstração) apregoando aos quatro ventos que "educação é prioridade". Porém, parece que essa importância tão reforçada quando se quer angariar votos é subitamente arrefecida a partir do momento em que se chega ao poder. O que antes era prioridade, passa a ser despesa desnecessária. Há muitas outras coisas para se investir: contratação de funcionários fantasmas, articulação de um grupo político capaz de ajudar a permanecer no poder quem já está lá, ações de marketing, entre outros. Meus amigos, a educação dificilmente será uma prioridade para os políticos pelo simples motivo de que é mais fácil pagar pelo apoio do que convencer as pessoas através de argumentos e de ideias. Mas não é só isso.
É possível comemorar também as condições de trabalho verificadas nas escolas de todos os lugares do Brasil. Em muitos casos, há escolas em situação de total abandono. Salas de aula quentes, mal iluminadas, sujas. Falta de material de expediente. Falta de locais adequados para atividades recreativas. Banheiros sem manutenção adequada. Todo esse ambiente afeta negativamente o estudante e os professores. Como resultado dessa realidade, tem-se um desempenho absurdo, muito abaixo da linha de razoabilidade de aproveitamento. Contudo, ainda há o que comemorar.
Às vezes, eu desconfio que o único profissional que não precisa pagar suas contas, nem ter direito a lazer, tampouco a viajar é o professor. Quem nunca ouviu alguém - seja ocupante de papel social importante,seja um mero puxa-saco - afirmar que "o professor deve trabalhar por amor"? Mas será que apenas os professores tem a capacidade de amar ou trabalhar por amor? Por que os políticos não trabalham por amor? Por que os juízes, médicos, militares, engenheiros, advogados e executivos não trabalham por amor? Isso é ridículo! O professor, como qualquer profissional, deve trabalhar COM amor, mas não POR amor. O amor, por si só, não garante vida digna a ninguém. Por causa desse discurso romântico, há cada vez menos indivíduos pensando em entrar para a docência. Deixemos essa hipocrisia encomendada e passemos a entender os professores como categoria profissional realmente importante. Acha que acabou? 
Podemos festejar a desunião que impera no meio do magistério. A explicação é simples: a maioria das pessoas prefere uma vantagem individual, em detrimento de um direito coletivo. As pessoas não querem sair de sua zona de conforto e nem se dispõem a lutar contra os poderosos. Eles querem ter os direitos, mas não lutam por eles e, pior, ainda tem a desfaçatez de dizer, olhando nos olhos de seus alunos, para lutarem pelos seus direitos. Quanta incoerência! Nós precisamos entender que devemos lutar pela nossa categoria, não por interesses individuais ou estaremos fadados a essa realidade para sempre.
No final das contas, ainda temos que "celebrar nosso governo e nosso Estado que não é nação, celebrar a juventude sem escolas [...] celebrar nossa justiça, os preconceitos, o voto dos analfabetos e nosso descaso pela educação..."
Mas se há algo que devemos comemorar neste dia é o fato de observarmos os alunos que nos respeitam, nos admiram, aprendem conosco e nos ensinam, que reconhecem nossa relevância social e, sobretudo, que são gratos pelo sucesso pessoal e profissional que alcançam.
Talvez um dia essa data de hoje deixe de ser apenas um dia para felicitar os professores com mensagens comoventes muitas vezes revestidas dissimulação e fingimento. Professores merecem respeito e reconhecimento através de ações efetivas de valorização, de democracia e de isonomia. "As palavras sem as obras não valem de nada!"

Um Abraço!

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

COMO É O SEU NOME?

Desde a minha época pueril, eu sempre acreditei que o cúmulo da distração era comer o guardanapo e limpar a boca com o bife. Entretanto, no cotidiano escolar sempre é possível encontrar algum fato que desconstrua esse tipo de verdade universal.
Alguns dias atrás, um aluno, ao finalizar uma atividade, perguntou o meu nome para colocar no cabeçalho. Eu, surpreso com a indagação, repassei a informação solicitada. Porém, em vez de dizer meu nome, por considerar um período de cinco meses suficiente para se aprender o nome de alguém, resolvi fazer um teste:
- Roberto, eu disse.
O menino não titubeou. Ele deu uma olhadela na minha direção, escreveu o nome e entregou a atividade.
Mesmo vendo, custei a acreditar. Era inexplicável o fato de aquele aluno não saber o meu nome. Teria sido uma brincadeira? Seria possível que um aluno não soubesse o nome de seu professor depois de cinco meses de interação? Um mundo de possibilidades se abriu. Primeiro, eu imaginei que o menino não consideraria importante guardar nomes, hipótese logo afastada porque o indivíduo sabia não apenas o nome do primeiro-ministro inglês durante a segunda guerra mundial, como também que o nome verdadeiro de Pablo Neruda é Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto e, de quebra, lembrava o nome do segundo colocado na prova de levantamento de peso das olimpíadas de Londres.
Outra possibilidade, digamos fisiológica, seria uma eventual falha do sistema auditivo do aluno que o impedia de ouvir muitas coisas e, entre elas, o meu nome. Porém, consultando colegas, fiquei sabendo que o menino era capaz de ouvir o zumbido de um pernilongo ao lado de um trio elétrico no meio uma micareta.
Finalmente, cheguei à conclusão mais plausível: a síndrome da distração incontrolável. Trata-se de uma síndrome silenciosa que afeta boa parte dos adolescentes do séc. XXI e que deixa o indivíduo em estado de incapacidade de perceber as coisas mais óbvias. Uma pessoa dessas pode, tomando conta de duas tartaruguinhas, deixar uma delas fugir ou usar o dicionário de Inglês na prova de Matemática.
A fim de esclarecer a situação, procurei o menino alguns dias depois:
- Rapaz, você trocou meu nome por “Roberto” no trabalho...
- Professor, eu estava na dúvida. Perguntei o seu nome e o senhor disse que era “Roberto”. Então, coloquei. Se o senhor disse, é porque sabe mais do que eu!
A partir dessa explicação, tudo parecia estar resolvido. Parecia. Quando fui saindo, o menino perguntou:
- Professor, como é mesmo o seu nome?


Forte abraço!

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

MAIS UM SÁBADO É ASSIM...

Imagine, depois de uma semana cansativa e estressante, você tomar um belo banho na sexta à noite e se recolher à sua cama quentinha, encostar a cabeça no travesseiro ávido por algumas horas de descanso e, subitamente, lembrar que quando você acordar, em vez de sábado, você estará numa quinta-feira! O que parece um devaneio é, na verdade, a situação absurda na vida dos professores da minha cidade. Pela terceira vez apenas esse ano, fomos à escola em dia de sábado para dar as aulas da quinta-feira. Mas o que justificaria isso? Haveria uma explicação minimamente lógica para tal absurdo?
Em primeiro lugar, esses sábados letivos são uma tentativa de garantir aos estudantes o direito assegurado pela Lei a duzentos dias letivos. Mas apesar de reconhecer a irrefutabilidade da Lei, todos sabemos que a responsabilidade por um eventual descumprimento da Lei é da (indi)gestão que temos na Secretaria Municipal de Educação. Isso porque, pela enésima vez, o órgão não conseguiu se planejar para iniciar as aulas no período correto e não tem a humildade de admitir a responsabilidade, transferindo-a para professores e alunos.
Além disso, a preocupação do secretário não é a reposição de aulas para os alunos. Ele sabe que essas aulas não funcionam por um motivo simples: os alunos não vem para a escola! E se eu fosse aluno, também não viria. Sábado é um dia destinado ao descanso e ao lazer. A intenção fundamental do gestor é retaliar, é mostrar quem manda, é constranger os professores a estarem na escola, mesmo que não haja três alunos por sala, como aconteceu no último sábado. E pior: mesmo não havendo quórum mínimo para se ministrar uma aula, os professores são obrigados a permanecer na escola até o término do "expediente", sob a ameaça de sofrerem descontos em seus vencimentos. Até os docentes que vem de outras cidades e não encontram alunos tem de permanecer na escola.
Este tipo de atitude revela como essas pessoas pensam a educação. Sem a menor condição técnica, sem ideias que melhorem a qualidade dos serviços e sem respeitar o próximo nem da perspectiva profissional e tampouco pessoal, eles não passam de meros perseguidores sanguinários, vingativos e escamoteadores da dignidade alheia.
Eles sabem que educação não é uma ciência exata. Mesmo quando professores e gestores estão alinhados é difícil conseguir bons resultados. Quando, porém, não existe esse alinhamento, como acontece em nossa cidade, o fracasso do processo é uma certeza. E nenhum esforço, nenhum aceno, no sentido de buscar o entendimento e melhorar as relações, é feito por parte da secretaria, o que deixa claro o seu desinteresse em proporcionar uma educação melhor.
Nesse contexto, mais um sábado foi assim: levantei, fui à escola e vi que, num universo de cerca de 400 alunos, havia, no máximo, uma dezena deles. Nas salas de aula, encontrei cadeiras vazias, às quais desejei um bom dia. Não obtendo resposta, retirei-me da salas... Elas, as salas de aula, estavam mais ou menos assim:










Um Abraço aos meus Colegas e Alunos!

sábado, 8 de agosto de 2015

No último dia 02 de Junho de 2015, foram aplicadas as provas da primeira fase da OBMEP - Olimpíadas Brasileiras de Matemática das Escolas Públicas. A princípio, trata-se de uma avaliação diagnóstica cujo objetivo principal é verificar o nível de conhecimento lógico-matemático dos alunos, além de proporcionar àqueles que se destacarem a chance de receber bolsas de estudo e de iniciação à pesquisa e, até mesmo, de ocupar os bancos de instituições de ensino superior de renome internacional. O grande problema é que a esmagadora maioria dos alunos não consegue perceber a importância  dessa avaliação e, ano após ano, a aplicação dessa prova tem-se tornado uma tarefa sofrível.
Em que pesem a qualidade do material, a ampla divulgação nos meios de comunicação e a abordagem multidisciplinar das questões, o interesse dos alunos é irrisório. Como se não bastasse isso, quem aplica as avaliações, invariavelmente é submetido a uma espécie de tortura mental com potencial de deixar sequelas psicológicas pelo resto da vida.
Na fatídica data supracitada, eu fui encaminhado para uma turma de Ensino Médio, onde tive a oportunidade - oportunidade é força de expressão - de aplicar as provas. Inicialmente, como é de praxe, fui ler e explicar para os alunos as orientações contidas no caderno de provas. Nem bem li a primeira, um aluno, indignado, levantou-se e em voz arrogante, interrompeu-me:
- Professor, o senhor está achando que nós somos burros?!?! Nós já sabemos disso. Não precisa dizer mais, não. Todo ano é a mesma coisa. A gente já sabe!(grifo meu, pois as concordâncias não estiveram nem perto de ser observadas pelo falante).
Apesar desse protesto em voz de trovão, continuei a leitura e fiz os esclarecimentos devidos. Pouco tempo depois, uma menina disse:
- Professor, esses quadrinhos "é" pra botar a data de nascimento?
Eu respondi com uma pergunta:
- O que diz aí?
Ela disse:
- Data de nascimento!
Respondi:
- Então é provável que seja!
Quando finalmente eles decidiram começar a prova, eu resolvi sentar um pouco e, como amante da Matemática, fui tentar resolver algumas questões. No mesmo instante em que terminei de ler o enunciado da questão 1, vários alunos levantaram seus braços, dizendo que já tinham terminado. Nem cinco minutos haviam se passado. Mal havia dado tempo de o diabo esfregar os olhos!
- Um cara desses é um gênio!, pensei.
A partir daí, a minha missão era tentar convencê-los de que só poderiam entregar a prova depois de uma hora. Missão árdua, já que todos haviam lido cuidadosamente os enunciados das questões, feito os cálculos, marcado as alternativas corretas, preenchido o cartão-resposta, enfim, "concluído" a avaliação numa incrível velocidade de duas questões por minuto. Em determinado momento, uma menina disse:
- Professor, eu não sei minha data de nascimento! Só sei que eu tenho 16. O senhor não saberia?
Eu respondi:
- Eu, não! Como é que vou saber?
Ela retrucou:
- O senhor não é professor? Então deveria saber!
Depois de tudo, enquanto organizava as avaliações e os cartões-resposta, comecei a perceber uma coisa interessante: lembram do menino que protestou no início da aplicação da prova? Pois bem, ele colocou o nome no espaço destinado ao endereço, assinou no local destinado ao diretor da escola e perguntou se não haveria um local para colocar as digitais e, ainda, o que "danado é e-mail."
Foi assim, com essa indagação pertinente e quase filosófica, que venci mais uma aplicação da OBMEP.

Um abraço!

quinta-feira, 4 de junho de 2015

- Charlie, você está aí?
Foi com essa pergunta aparentemente descontextualizada e desconexa que o silêncio, jamais percebido na história da humanidade das minhas aulas naquela turma, quebrou-se. Não bastasse o ineditismo do silêncio, a atmosfera estava definitivamente estranha. Um grupo de alunos sentados em volta de uma mesinha, em círculo, com um caderno aberto talvez fosse a explicação. Na folha do caderno não havia conteúdo, mas quatro quadrantes delimitados e sobre a interseção das linhas, uma caneta meticulosamente equilibrada sobre um lápis.
- Mas o que danado é isso?, perguntei. Não obtendo resposta, fui averiguar. Ao aproximar-me do grupo, uma sucessão de acontecimentos sombrios e horripilantes iniciou-se.
Primeiro, um menino começou a revirar os olhos e desmaiou, o que causou grande alvoroço e corre-corre. Em seguida, a porta da sala de aula começou a abrir e fechar cada vez em intervalos de tempo menores. Cadeiras começaram a flutuar pela sala em forma de espiral e, à medida que giravam, mudavam de cor (eram azuis, depois vermelhas, depois brancas, depois amarelas...). O ventilador parou subitamente e começou a girar em sentido contrário, de modo que o vento, em vez de descer, fazia uma curva e subia. Mas o mais impressionante foi o que aconteceu a seguir. De repente, as letras que eu mesmo havia escrito na lousa começaram a cair. Eu as pegava do chão e as colocava de volta, mas elas caíam novamente: eu pegava as letras do chão, colocava-as no quadro e eles caíam novamente!!! Caíram tanto que chegaram a danificar o piso da sala. Acho que foi o O, pois é mais gordinho.
Confesso que a partir daí não vi mais nada. Minha preocupação era recolocar as letras no quadro. Quando terminei, tudo tinha voltado ao normal. Os alunos, incrédulos, não sabiam o que pensar.
E nem eu, ao perceber que muitos alunos acreditaram em uma história absurda dessas! Isso mostra como nossos adolescentes são influenciáveis por coisas que não fazem o menor sentido. Seria muito mais fácil para nós, professores, se eles acreditassem quando nós dizemos que a soma dos ângulos internos do triângulo é 180°, ou que o sujeito é o ser que pratica alguma ação ou sobre quem se declara algo, ou ainda que reprodução humana e intercurso sexual são coisas distintas.
É preciso termos cuidado com o que lemos, ouvimos, vemos e falamos. Cuidado com os locais onde fazemos nossas pesquisas. É preciso usarmos ferramentas fundamentais como a Internet com equilíbrio. Do contrário, nós estaremos fadados a ser uma sociedade cada vez manipulável, dado o nível de alienação ao qual estamos chegando.

Um abraço! 

terça-feira, 28 de abril de 2015

O SINDICATO SOMOS NÓS!

Imagine a seguinte situação: você vai ao Posto de Saúde de sua cidade com seu filho doente, mas não consegue ser atendido pelo absurdo e cruel fato de não haver médico na unidade de saúde. Você, extremamente indignado, resolve fazer um protesto em praça pública. Se você for sozinho, certamente chamará atenção. Se você for acompanhado de cem pessoas, chamará muito mais atenção. E se quinhentas pessoas acompanharem você no ato, você chamará mais atenção ainda. É bem verdade que, independentemente do número de pessoas, não é possível garantir que a demanda será atendida pela gestão, mas não se pode negar que a possibilidade de êxito é diretamente proporcional à quantidade de pessoas no protesto. Essa ilustração ou alegoria, como preferir, serve para mostrar a essência do trabalho sindical. E mais: serve para mostrar que a força do Sindicato depende da força dos sindicalizados. Isso porque o Sindicato somos nós. Mas parece que muitas pessoas não comungam dessa ideia.
É cada vez mais comum ouvir pessoas reclamando da atuação do Sindicato dizendo que "o sindicato é fraco" ou "o sindicato não resolve nada". Isso não faz o menor sentido. A menos que a sua ideia de Sindicato seja de duas ou três pessoas lutando, colecionando inimizades, desafiando os déspotas, suportando altíssimos níveis de estresse, abandonando suas famílias com o intuito de defender seus direitos enquanto você está em casa de braços cruzados. Não é assim! Não pode ser assim! Se você quer ter um Sindicato forte, doe sua força também! Compareça às assembleias e exponha seus pontos de vista. Critique. Reclame. Reivindique. Mas faça isso no local de direito, não em conversinhas disfarçadas, muitas vezes até no ambiente de trabalho.
Está na hora de nos fortalecermos, pois os donos do poder se organizam e se armam ao passo que nós nos enfraquecemos e nos fragmentamos pelos motivos mais esdrúxulos possíveis.
Não há como negar a complexidade de relacionamento numa agremiação. O sociólogo Max Weber afirma que uma sociedade - e o Sindicato é uma sociedade - sempre será complexa, independentemente da quantidade de pessoas que a formem, por uma motivo simples: cada um interpreta as coisas de uma forma diferente. Isso é necessário, salutar e típico de uma organização democrática de direito. O que não pode acontecer é permitirmos que qualquer desilusão enfraqueça o nosso movimento e tampouco prescindirmos do nosso dever de defender nossa classe. O Sindicato somos nós!
Além disso, precisamos entender que o Sindicato é uma agremiação de caráter deliberativo fundada com o intuito de defender os interesses comuns de uma coletividade. Porém, a instituição não tem o poder de determinar como as coisas acontecerão. O que podemos fazer, e bem, é pressionar os gestores e a Justiça e alertar a sociedade sobre nossos direitos. Nesse sentido, a participação ativa de todos é fundamental. 
Assim meus amigos, não desistam da luta. Não enfraqueçam. Não se submetam às ameaças dos poderosos. Mas fortaleçam-se! Busquem força nos seus colegas. Só assim, sendo fortes, é que o Sindicato será forte, pois o Sindicato somos nós!

Um abraço!

terça-feira, 17 de março de 2015

COBRANÇA INDEVIDA

O início do ano é um período marcado pela chegada das dívidas, dos impostos e das obrigações financeiras na casa das pessoas. São cobranças justas uma vez que o cidadão responsável precisa dignar-se a cumprir com seus compromissos. Mas se você for professor e trabalhar numa cidadezinha no meio do nada, onde as Leis que beneficiam os funcionários não são cumpridas e quase ninguém sabe onde fica, o cenário pode piorar bastante. Isso porque, além das dívidas pecuniárias, os professores já iniciam o ano letivo devendo dias de serviço. De acordo com a Secretaria de Educação, os profissionais devem "pagar" cinco sábados letivos no desenrolar de 2015. Eu gostaria de saber o porquê.
A Secretaria arrazoa que os professores tem trinta dias de férias em janeiro e mais quinze em junho, totalizando quarenta e cinco dias, "o que é muito." Além disso, o aluno tem direito a duzentos dias letivos por ano. Como as aulas começaram no início de março, as contas não fecham.
Quanto à argumentação da Secretaria, nada a acrescentar. Porém, eu aprendi no curso da minha vida que nós não devemos cobrar de quem não nos deve. Todos os professores estavam prontos para iniciar suas atividades e assumir suas respectivas salas de aula no primeiro dia de fevereiro. Ocorre que, por falta de estrutura administrativa, física e organizacional, tornava-se impossível inciar as aulas nesse dia. A escola sem as mínimas condições de funcionamento, sem material pedagógico e administrativo: um caos! Dessa forma, de quem é a responsabilidade por isso? Dos professores? Absolutamente! A responsabilidade recai sobre os ombros da Secretaria Municipal de Educação. Não é decente e tampouco justo cobrar dos professores a conta decorrente da falta de planejamento da gestão. E corporativismo à parte, isso se repete ano após ano.
É interessante ressaltar que o calendário das escolas estaduais também tem início no mesmo dia. Entretanto, na rede estadual, não há nenhuma orientação no sentido de "pagar" sábados letivos. Como explicar isso?
A sensação de começar o ano devendo dias letivos vem acompanhada de outros sentimentos angustiantes provenientes do órgão gestor quais sejam a rivalidade com a equipe de professores, a falta de preocupação com os alunos e o abandono das estruturas físicas da escola, que é um verdadeiro desserviço ao andamento das atividades. A preocupação principal é fazer o professor trabalhar mais do que deve, apenas para retaliar e mostrar quem manda.
Graças a Deus, ao meu senso de cidadania e à minha disciplina orçamentária, nunca frequentei os cadastros nacionais de inadimplência ou os sistemas dos órgãos de proteção ao crédito. Contudo, se for o caso, a Secretaria pode incluir o meu nome no SPC ou SERASA, mas eu não vou pagar o que eu não devo. Apenas lembro que, de acordo com o artigo 940 do Código Civil e o artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, a cobrança indevida deverá ser ressarcida em dobro. Assim, em vez de quarenta e cinco dias de férias, eu posso ter cinquenta e cinco. Abram o olho!


Um abraço!


quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

ÓDIO PLATÔNICO

Todas as pessoas já ouviram falar de amor platônico - amor puro que se fundamenta nas virtudes e é desprovido de paixões, deixando de lado os interesses até mesmo sexuais - pelo fato de alguém ter-lhe confidenciado, por ter lido ou assistido sobre o tema, ou ainda, por ter caído nas traiçoeiras garras de tal sentimento. Você, porém, já ouviu falar de ódio platônico?¹ Acredite ou não, esse sentimento existe e é mais comum do que "supõe nossa vã filosofia", sendo as salas de aula o ambiente mais propício para a observação dessa abstração às avessas. E foi nesse ambiente onde eu vi a manifestação do ódio platônico pela primeira vez.
Tudo começou com a chegada de uma nova professora de Português. Além de constantemente afônica, em detrimento de longos anos de esforço vocal, ela era estrábica - vesga, para os menos eruditos. Assim, quando a aula estava demasiadamente "animada", ela sempre gritava, ou pelo menos, tentava gritar, chamando os alunos aos carreteis. O problema é que ela olhava para o norte e nós tínhamos a impressão de que ela estava olhando para o leste, dado o desentrosamento entre seus globos oculares. 
Numa dessas intervenções, um aluno pensou que a professora dirigia uma série de palavras hostis e impropérios a ele, despertando o ódio platônico a que me refiro. A partir desse dia, ele aprontava muitas peripécias: contribuía com o efeito estufa ao liberar gases extremamente tóxicos ao redor da professora, escondia a cadeira da professora em outra sala, roubava a caixinha de giz e, com requintes de crueldade, escondia os óculos da coitada, equipamentos sem os quais ela não andava meio metro sem causar um abalroamento: era uma loucura. 
Como um ser altruísta que sempre fui, eu me preocupava com a professora na mesma proporção em que me divertia. Era uma guerra interna por que passava. Lembro-me de uma vez que a professora, falando sobre plural de substantivos compostos, perguntou:
- Pessoal, qual seria o plural de café da manhã?
- Pão, leite, queijo, manteiga... respondeu o aluno.
A turma inteira começou a sorrir e a professora quase infartou. Eu, segurando o riso, saí e trouxe um copo d'água e dei a ela.
Essa relação conturbada durou quase o ano inteiro. Contudo, as provas finais já se aproximavam e o medo da reprovação era um monstro que assombrava meu amigo. Desse modo, para a surpresa de todos, o aluno decidiu fazer um mea culpa e pediu perdão à professora. Ele assumiu os erros e prometeu não mais repetir suas atitudes irreverentes. Toda a turma, emocionada, aplaudia enquanto aluno e professora se abraçavam fraternalmente. Mas quem odeia platonicamente, experimenta uma inexplicável e incontrolável alternância de sentimentos.
No dia seguinte, quando estávamos indo para a escola, o dito aluno encontrou uma espiga de milho no chão. Não era necessário ser um perito do Instituto de Criminalística do estado de São Paulo, para perceber que alguém, depois de ter dado no máximo duas mordidas no milho, deixou a espiga cair e foi-se embora. O aluno, meticulosamente, limpou a espiga de milho, colocou-a num invólucro improvisado e levou-a consigo. Ao chegar na escola, saiu em direção à professora e fingiu estar comendo. A professora logo cresceu os olhos na espiga (de onde eu estava, tinha a impressão de que ela realmente olhava para a espiga) e ele, sem hesitar, disse:
- "Professora, trouxe para a senhora!"
- "Não precisava", pegando a espiga e mordendo-a instantaneamente. "Só está meio fria!", comentou, antes de agradecer efusivamente.
Depois que a professora afastou-se, olhei para meu amigo e vi em seu rosto uma feição de ódio e, ao mesmo tempo, de prazer. Então, perguntei:
- "Malvado, por que fizeste isso?"
Ele olhou para mim, mas não disse sequer uma palavra. Nos dias que se seguiram, entretanto, correu um boato à boca pequena de que a professora havia tido dias de rainha - se é que vocês me entendem - e como não tinha condições de vir à escola, acabou aprovando todos. De resto, só ficou um comentário do aluno:
- "Da próxima vez, eu vou trazer é uma feijoada, hahahahah!"

¹ Segundo a filosofia Daniliana, é um tipo de sentimento que causa alternância entre o bem e o mal, a beleza e a feiura, a rudeza e a gentileza.




Um abraço!