quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Depois de quase quinze anos de sala de aula, os professores acumulam experiências, estresses e alunos dos quais nunca se esquecerão. Comigo não é diferente. Há muitos deles irremediavelmente presos à minha memória, em função dos mais variados motivos. A aluna sobre quem tratarei neste texto é objeto de minha profunda admiração. 
Tudo começou durante o recreio de um dia corriqueiro de aula. Ela era, até então, uma aluna normal. Mas naquele dia, as coisas começaram a mudar. Eu estava sentado, como de hábito, no pátio externo da escola. Os alunos num vaivém desordenado e muita falaria. Do outro lado, no corredor, ela vinha se aproximando tranquilamente. De súbito, ela caiu. Entretanto, não foi uma queda normal. Ela simplesmente desabou, como um prédio que é implodido. O interessante é que ela sequer esbarrou em algum objeto, nem tropeçou, nem foi empurrada, nem escorregou, nem teve mal súbito, nem desmaiou. Ela desceu numa trajetória vertical, produzindo um barulho (bufo!). Isso chamou minha atenção: "Essa menina é diferente!", pensei.
Algum tempo depois, minha suspeita foi confirmada. Tratava-se de alguém muito especial. Certo dia, por exemplo, eu estava na frente da escola - que fica próximo à residência da menina - e vi quando ela guiava sua moto em alta velocidade. De repente, ela deu seta para a esquerda, empinou a moto, invadiu a sala de estar de sua casa e estacionou a moto entre o criado mudo e o sofá. Foi impressionante! Minha admiração crescia em progressão geométrica, enquanto ela mostrava o quão especial era. Foi assim no dia em que desdenhou da minha ajuda, na academia, ao carregar uma anilha de 25kg e no dia em que ela bebeu 2ml de corretivo numa "brincadeira" com colegas de sala de aula.
Mas o momento mais emblemático, aquele que elevou minha admiração a níveis estratosféricos, aconteceu algum tempo depois, já em outra escola. 
Eu vinha caminhando pelo corredor, quando vi um menino saindo de uma outra sala, em disparada, sendo perseguido por ela. Eu imagino que ele deve ter aprontado alguma coisa. Ela, muito agilmente, pegou o menino pelo pescoço, passou uma de suas pernas por entre as pernas dele e fez uma alavanca, de modo que o menino, franzino, girou em torno de seu próprio eixo (um giro de 360 graus por cima da cabeça) e caiu prontinho, sentado, engalhado no recanto da parede, com uma cara de choro, balbuciando uma expressão muito parecida com "me perdoe!". Aquilo foi incrível. Foi certamente um lindo ippon. Eu confesso que fiquei emocionado e nunca mais aquela imagem artística e sutil saiu da minha retina. 
São essas coisas que fazem os alunos seres tão especiais, cada um com suas idiossincrasias...


Um abraço!

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A Educação a Distância não é propriamente uma novidade no que se refere às modalidades de ensino. Registros históricos apontam para o séc. XVIII, quando o americano Caleb Philips já enviava correspondências semanais com os conteúdos das aulas para seus alunos. No Brasil, esse processo começou no início do séc. XX, com a instalação das Escolas Internacionais as quais ofereciam cursos profissionalizantes por correspondência. Desde o advento da Lei 9.394/96, a EaD vem passando por um grande processo de expansão e democratização no Brasil. Essa modalidade de ensino, cuja principal característica é a interação entre indivíduos através de recursos tecnológicos de informação e comunicação, constitui-se hoje como uma excelente alternativa à Educação Tradicional.
Isto porque permite uma flexibilização de horários inimaginável no modelo tradicional de ensino. Enquanto a educação tradicional exige a frequência em salas de aula físicas e em horários pré-estabelecidos, a EaD oferece a possibilidade de os alunos prepararem sua própria rotina de estudos, adaptando-a às outras atividades de seu cotidiano. Considerando a rotina dos professores, como é o meu caso, seria pouco provável encontrar tempo para mais um curso presencial. Em um curso a distância, entretanto, é possível estudar mesmo aguardando num consultório médico, na fila de um banco ou, eventualmente, nas madrugadas de insônia.
 Essa facilidade, contudo, pode levar os indivíduos a acreditar que fazer um curso à distância é mais fácil do que seria na modalidade presencial. Ledo engano. A EaD exige do aluno disciplina, compromisso, organização, além da aquisição do hábito de interagir através do uso dos recursos tecnológicos de comunicação e informação disponíveis. Se, por um lado, há grande maleabilidade de horários para ler e estudar os materiais do curso, por outro, o aluno deve estar atento aos prazos de realização e apresentação das atividades. Nesse sentido, o aluno precisa transformar o grande volume de informações às quais tem acesso em conhecimento e isso não acontece assistematicamente.
É bem verdade que ainda há dificuldades a serem superadas como o ceticismo e a resistência de muitas pessoas em dar crédito a essa modalidade. Entretanto, a EaD representa um meio barato, prático, tecnológico e eficiente de democratização da educação, que rompe com o tradicionalismo do ensino, ultrapassa os muros das instituições educacionais e oferece ao estudante a possibilidade de otimização do tempo.


REFERÊNCIAS
TORNAGHI, Alberto José da Costa; PRADO, Maria E. B. Brito; ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconi. Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC. Guia do Cursista. 2 ed. – Brasília, 2010.

MUGNOL, Marcio. A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL: Conceitos e Fundamentos. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 9, n. 27, p. 335-349, 2009. Disponível em: <http: www.pucpr.br/reol/index.php/dialogo>. Acesso em: 31 ago. 2014.

sábado, 27 de dezembro de 2014

SONETO DA SAUDADE


Sem razão alguma fonética,
Saudade combina com dor.
Cruel insígnia de amor:
Indizível para a dialética.


Sem causa alguma fonológica,
Saudade rima com sentimento.
Desafio ao discernimento:
Relação complexa, dialógica.


Que seja uma marca profunda
Das flores e perfumes da vida
Dos sons que vivemos e agradam.


Por sua essência infinita
Em nosso coração escondida
Lembrança do amor oriunda.



Danilo César

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

CÓDIGO DE CONDUTA DAS AULAS DE INGLÊS

TÍTULO I
Das Disposições Preliminares


Art. 1º. Compete privativamente a este professor legislar sobre:
I - direito estudantil;
II - comportamento e disciplina;
III - natureza das medidas disciplinares;
IV - uso de aparelhos eletrônicos;
V - horário de beber água e ir ao banheiro;
Parágrafo Único: os alunos poderão contestar as Leis desde que este professor considere, previamente, a constitucionalidade das demandas requeridas.


TÍTULO II
Das Partes


Art. 2º. Todo aluno que se acha no pleno exercício das aulas tem direito a estar em juízo.
Art. 3º. Os evadidos, relapsos, desrespeitosos e impontuais não poderão acionar colegas e professor judicialmente na forma da Lei.
Art. 4º. O professor terá sempre a última palavra para dirimir as questões suscitadas durante o processo.


TÍTULO III
Dos Atos Processuais


Art. 5º. Os atos e termos processuais correrão em segredo de justiça.
Art. 6º. Em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso de vernáculo, salvo quando o professor exigi-los em Língua Inglesa.


TÍTULO IV
Da Formação, da Suspensão e da Extinção do Processo


Art. 7º. O processo administrativo-disciplinar-educacional começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial.

Art. 8º. O processo poderá ser suspenso:
I - pela evasão, transferência ou desistência do aluno;
II - pela convenção das partes;
III - por motivo de força maior.


TÍTULO V
Das Condutas Vedadas


Art. 9º. Chegar atrasado às aulas.
Art. 10. Fazer as atividades de outras disciplinas durante as aulas de Inglês.
Art. 11. Deixar de fazer as atividades
Art. 12. Deixar de responder aos questionamentos orais do professor;
Art. 13. Desrespeitar ou desacatar o professor;
Art. 14. Empregar palavrões como pronomes de tratamento;
Art. 15. Portar telefones celulares ilegalmente;
Art. 16. Pedir para "resolver um problema" durante as aulas;
Art. 17. Traficar respostas durante as avaliações individuais;
Art. 18. Receptar respostas durante as avaliações;
Art. 19. Colocar nas atividades o nome de quem não estava presente à aula;
Art. 20. Perguntar as mesmas coisas mais de duas vezes;


TÍTULO VI
Das Penalidades


Art. 21. A penalidade prevista para as condutas vedadas de que tratam os art, 9 (atraso), 10 (desvio de tarefa), 19 (falsidade ideológica) e 20 (caninga) é advertência.
Art. 22. A penalidade prevista para as condutas vedadas de que tratam os art. 11 (preguiça) e 12 (omissão) é a perda de 10% (dez por cento) da nota obtida no bimestre.
Parágrafo Único: Em caso de reincidência, o percentual será dobrado.
Art. 23. As penalidades previstas para as condutas vedadas de que tratam os art. 13 (insubordinação) e 14 (homem de neandertal) são advertência e atividade extra.
Art. 24. As penalidades previstas para a conduta vedada de que trata o art. 15 (porte ilegal de celular) são advertência, recolhimento do aparelho e exclusão dos arquivos.
Parágrafo Único: O aluno poderá reaver, a qualquer tempo, o seu aparelho desde que mediante pagamento de fiança correspondente a 10% (dez por cento) do valor do equipamento.
Art. 25. A penalidade prevista para a conduta vedada de que trata o art. 16 (migué) é advertência.
Art. 26. A penalidade prevista para as condutas vedadas de que tratam os art. 17 (tráfico de resposta) e 18 (receptação de resposta) é a perda de 20% (vinte por cento) da nota obtida no bimestre.
Parágrafo 1º: Em caso de reincidência, o percentual será triplicado.
Parágrafo 2º: O professor poderá estabelecer multa a seu bel-prazer.


TÍTULO VII
Do Foro

Art. 27. Por livre e espontânea pressão deste professor, as partes elegem o Tribunal Escolar para esclarecer quaisquer questões pertinentes a este instrumento.

Art. 28. Esta lei entra em vigor a partir do primeiro dia de aula.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

SER OU ESTAR: EIS A QUESTÃO!

Há cerca de quatro séculos, o grande William Shakespeare escrevia "Hamlet", um dos maiores clássicos da literatura ocidental. Uma história com enfoque existencialista e filosófico, uma reflexão que transcende os limites da retórica e que é amplamente lembrada por aquele célebre sintagma: "ser ou não ser: eis a questão."
Mas, aqui, do lado de fora dos muros do Castelo de Elsinore, esse texto veio à minha memória ao ouvir o discurso de uma pessoa que acabara de ser nomeado diretor de uma escola. Dizia ele com uma firmeza verossímil:
- Eu não sou diretor. Eu estou diretor! 
Essa assertiva provocou em mim, além de certa estranheza, alguns questionamentos. Decerto, eu não quis alternar momentos de loucura real com loucura dissimulada, nem tampouco arquitetar uma vingança. Eu senti apenas a necessidade de analisar o discurso, já que aquela não era a primeira que meus ouvidos eram invadidos por tais palavras.
Considerando o aspecto moral do discurso, é possível perceber uma tentativa de demonstração de humildade. Mas quem disse que humildade é provada com discursos isolados? A humildade precisa ser demonstrada e vivenciada todos os dias, através de atitudes e nas relações com as pessoas com as quais se convive. Ninguém precisa dizer que é humilde. Se alguém o for, as pessoas saberão. Além disso, esse discurso fornece elementos para uma interpretação maliciosa na medida em que aponta para uma fuga das responsabilidades, como se não existisse o desejo de assumi-las.
Conceitualmente, a diferenciação proposta entre os verbos ser e estar é uma questão fundamentalmente linguística. Em que pese essa dualidade de sentidos em português, na língua inglesa - idioma original da obra shakespeariana - existe apenas um verbo para indicar as duas situações. Assim, a diferença existe, mas não é tão considerável como imaginam as pessoas simpáticas a essa ideia.
Por fim, levando em consideração os aspectos práticos desse discurso, percebe-se facilmente toda a sua superficialidade. Nunca vi, por exemplo, um pai que quer resolver um problema do seu filho, chegar na escola e perguntar: 
- Quem está diretor dessa escola?
Isso não acontece porque, na prática, enquanto alguém está, esse alguém é. Eu entenderia se a pessoa nomeada já assumisse o cargo sabendo que ficaria uma semana ou quinze dias. Nessa situação, o discurso do "eu não sou, eu estou" faria algum sentido. A não ser nessa hipótese, esse discurso é uma grande falácia.
A pessoa que assume um cargo de diretoria de escola precisa incorporar sua função. Precisa tentar exercer sua liderança sem, evidentemente, violar os princípios da gestão democrática. Precisa chamar para si a responsabilidade de gerir a escola em seus aspectos sociais, pedagógicos e administrativos. Esconder-se atrás de um discurso vazio de humildade é apenas uma maneira de encobrir uma eventual falta de preparo.


Um abraço! 

sábado, 6 de setembro de 2014

PLANEJAR É PRECISO!

O título desse texto  não é uma mera paráfrase da famosa declaração dos navegadores portugueses e que dá nome a um célebre poema de Fernando Pessoa. Essa assertiva me ocorreu porque, em todas as áreas da vida, o planejamento é um aspecto imprescindível. Desde ações mais simples como a compra de um bem até decisões mais complexas como a chegada de filhos, o ato de planejar garante mais segurança no sentido de que tudo acontecerá dentro dos limites do esperado. Na educação não é diferente. Não pode ser diferente. Antes de um aula ou da aplicação das atividades, o planejamento torna-se um instrumento indispensável à consecução dos objetivos pré-estabelecidos. Mesmo assim, ainda há muitas pessoas da área que insistem em desprezar tal hábito.
Certo dia, enquanto eu aguardava ansiosamente o sinal da sirene indicando o intervalo, um grupo de pessoas, liderado pela diretora da escola e tentando fazer o menor barulho possível, carregava freneticamente cadeiras pelo corredor do prédio. Os professores, curiosos, tentavam descobrir do que se tratava, já que nada havia sido comunicado.
Observando discretamente através da porta entreaberta, eu conseguia vislumbrar um corredor repleto de cadeiras, uma tela de projeção com notebook e data show devidamente instalados. As últimas cadeiras sendo colocadas. A diretora num vaivém sem fim.
- O que vai acontecer aqui?, eu me perguntava. Os alunos, com semblante de dúvida, formulavam as mais mirabolantes possibilidades. Os colegas professores não sabiam responder às indagações de seus alunos.
Algumas hipóteses surgiam inevitavelmente. Poderia se tratar de uma palestra educativa, um filme relacionado com algum tema educacional, um simples teste técnico de equipamentos recém-adquiridos, uma homenagem...
O clima era de expectativa e curiosidade. De repente, a idealizadora do momento segura o microfone e anuncia a atração:
- Pessoal, boa tarde. Eu preparei essa atividade com muito carinho para vocês. Espero que gostem.
Virando-se, apertou um botão e um vídeo começou a ser exibido. Para a alegria dos alunos e para minha tristeza e estupefação, o vídeo, acreditem, era o famoso "Para Nossa Alegria", que na época estava no auge.
- Isso não é possível!, pensei, em meio a gritos de delírios dos alunos, que enchiam a diretora de orgulho. Era como se ela tivesse feito algo digno de reconhecimento. 
Eu e outros colegas não conseguimos presenciar aquela bizarrice até o final. Eu saí e fui preparar-me espiritualmente pois eu sabia que acalmar os alunos depois do intervalo não era uma tarefa das mais simples. Naquele dia, especialmente, seria tão fácil como encontrar uma agulha no palheiro.
Um episódio dessa natureza, sem nenhuma relevância didático-pedagógica, sem nenhum planejamento e sem objetivos em relação à aprendizagem, além de mostrar o amadorismo com que se dirige a educação pública, serve como exemplo de (indi)gestão escolar, que não se comunica, não interage e, sobretudo, não planeja. O que aconteceu na escola depois dessa "atividade" é assunto para outra ocasião, mas eu não desejaria ao meu pior inimigo que ele assumisse as turmas nas duas últimas duas aulas daquele dia.


Um abraço!  

quarta-feira, 30 de julho de 2014

DESCONCENTRAÇÃO II

Eu já sou professor de Inglês há cerca de treze anos e à medida que o tempo passa, tenho mais certeza de que um dos principais entraves da aprendizagem é o flagrante déficit de concentração dos alunos. É como se  os estudantes, em sua grande maioria, não observassem o que veem e não entendessem o que leem. Essa impressão ganhou ainda mais robustez depois de uma aula recente.
Eu entrei normalmente na sala. Cumprimentei as dez testemunhas presentes à aula, fiz a chamada, dei algumas orientações e comecei a falar sobre o conteúdo para explorar os conhecimentos prévios dos alunos em relação ao tema. Em seguida, fui até a lousa para escrever uma tabela com subject e object pronouns. O quadro era dividido em duas partes: o lado em que escrevi, usando um marcador azul, era branco e o outro, negro, ainda repleto de atividades do turno vespertino, pois a professora não havia se dignado a apagar o que ela escrevera.
Cerca de vinte minutos depois, chegou mais uma testemunha, digo, aluna. Atrasada, ela tentou recuperar o tempo perdido e prontamente sacou seu caderno e canetas e começou a escrever. Ocorre que, da posição onde eu me encontrava, via claramente que ela não estava olhando em direção ao que eu tinha escrito. Instintivamente, resolvi me aproximar e para minha surpresa, a menina já estava quase acabando. Acabando de copiar a atividade. Mas não a minha atividade. A do lado negro do quadro. Escrita com giz.
Aqueles que gostam de sair em defesa dos pobres e oprimidos podem levantar-se e arrazoar:
- Ora, isso não é nada demais. Ela só escreveu a atividade errada porque chegou atrasada.
A princípio, esta parece uma desculpa plausível, mas não é. Não é porque professores de Inglês não costumam passar atividades de circular as letrinhas maiúsculas e sublinhar as minúsculas; não gostam de atividades de formar as sílabas da família do B; nem acham interessantes aquelas em que o aluno deve escrever por cima de uma linha tracejada. Acreditem ou não, foi isso o que ela escreveu. Considerando que se tratava de uma aula de Inglês, qualquer desculpa é absurda.
Enquanto os outros alunos choravam de tanto sorrir e a menina enrubescia de vergonha, eu não sabia se sorria ou se chorava. Era um turbilhão de sentimentos dentro de mim: impotência, perplexidade, preocupação...
Depois de alguns dias de reflexão, resolvi montar um guia completo de sobrevivência nas aulas de Inglês destinado a esse tipo de aluno - desconcentrado. Eis a versão simplificada:
1º Sempre procure saber de qual disciplina é a aula;
2º Observe o professor e preste atenção em que tipo de objeto ele usa para escrever (nem o maior dos falsificadores conseguiria imitar giz usando marcadores de quadro branco);
3º Fique atento à língua em que as palavras estão escritas, pois Português é diferente de Inglês;
4º Lembre-se de que letras masculinas são diferentes das femininas;
5º Se, depois de tudo isso, você ainda tiver dúvidas, chame o professor e pergunte.

Um abraço!
  

sábado, 21 de junho de 2014

Em 1996, o governo brasileiro publicou a Lei 9394 - a LDB. Por um lado, isso representa um marco, um avanço sem precedentes no trato com a educação pública no Brasil. Por outro, alguns problemas surgiram. Um deles, especificamente, abordava a situação dos professores que atuavam no magistério sem formação superior. De uma hora para outra, aqueles profissionais que, em muitos casos, eram arremessados numa sala de aula pelos chefes do executivo de suas localidades viam-se obrigados a ter um curso superior. Ocorre que muitos deles não teriam condições - nem físicas, nem psicológicas - de concorrer a uma vaga em um banco de universidade com jovens recém-saídos do ensino médio. Contudo, é sempre bom lembrar que nós estamos no Brasil e, num passe de mágica, o governo resolve credenciar instituições de ensino superior a torto e a direito para formar os profissionais e equacionar o problema. Com isso, a formação dos professores foi seriamente afetada (mas isso é assunto para outra oportunidade). Para ilustrar essa problemática, passo a relatar uma situação bastante cômica, ou trágica, dependendo do viés do amigo leitor.
Não são raras as vezes em que alguém com dificuldades acadêmicas recorre a amigos e familiares ou, até mesmo, fazem uso de seus recursos pecuniários para ter uma determinada atividade de seu curso feita. Foi o que aconteceu comigo. Uma pessoa a qual já enveredava nos caminhos da educação havia muito tempo, sempre em cargos de chefia, aproximou-se e começou a conversar, contando suas aventuras discentes. Lá pelas tantas, ela resolveu desembuchar:
- Rapaz, eu tô precisando fazer um trabalho, mas nem sei por onde começar!, disse.
Um pouco atônito e tentando esconder minha surpresa, perguntei:
- Sobre o quê?
- Pedagogia.
- Mas o que exatamente? Pedagogia tradicional? Escola Nova? Algum autor específico?
- Não, não. É sobre um... ator famoso ou cantor... pera aí que vou pegar o nome dele no carro.
Foram dois minutos de espera e muita, mas muita curiosidade. Pensei: "Ator?!?! Como assim? Cantor?!?! Que danado de trabalho é esse?"
Quando a pessoa voltou, com um livro na mão, tentando dizer o nome do tal "ator", eu entendi tudo:
- Pi...a...géte! Acho que é assim que se fala.
- Piaget! pronunciei secamente. Não posso fazer esse trabalho. 
- Por quê?, perguntou.
- Não gosto muito dos filmes nem das músicas dele!, respondi.
Antes que a pessoa pudesse dizer qualquer coisa, fui embora sem sequer me despedir. Eu não sabia se sorria ou se chorava. Como é que pode? Um pedagogo ou estudante de pedagogia ou qualquer pessoa que vive no meio da educação não saber quem é Piaget é o mesmo que ser meu aluno e não saber que eu tenho um blogue! É o mesmo que ser um cantor de forró e não saber quem é Luiz Gonzaga! É o mesmo que brincar no bloco dos Índios e não saber quem é Caçopa!

Um abraço!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

BOMBA DE EFEITO RETARDADO

Diz-se de bomba de efeito retardado o artefato bélico que, lançado em determinada superfície, necessita de um espaço de tempo para produzir seus efeitos. Um bebê inesperado pode ser considerado um bom exemplo. Mas, por que raios eu estaria falando sobre isso neste ambiente educacional? Vou explicar.
Um dia desses, um aluno chegou à sala da direção da escola bastante pálido - como se tivesse visto um fantasma, tremendo, suando, contorcendo-se todo e com um das mãos imediatamente sobre sua barriga (bucho, diriam aqueles que o tivessem visto). Naquele momento, a pressa para chegar em casa foi mais forte do que a curiosidade que aquela cena despertava em mim. Assim fui embora tranquilamente. Lembro-me que, ao chegar no portão de saída, ouvi um estrondo, como se fosse um estampido de uma bomba, mas, cansado, não voltei. No dia seguinte, não fui à escola pois tratava-se de um feriado estadual. A imagem do menino empalidecido, contudo, não saía da minha cabeça. "O que teria acontecido para deixar o aluno daquele jeito?". 
Pois bem, dois dias depois de presenciar tão emblemática cena, eu estava de volta às atividades escolares rotineiras. Na hora do intervalo, entretanto, as coisas não estavam normais: barulho de martelo, carros de mão para lá e para cá, máscaras de oxigênio, tubulações de pvc sendo transportadas, cimento e britadeiras, tudo convergindo para o mesmo lugar: o banheiro dos professores.
- O que está acontecendo?, pensei.
Incomodado com o barulho e com um misto de curiosidade e preocupação, fui averiguar. Ao chegar, vi que havia um pedreiro e um ajudante no interior do banheiro, próximo ao vaso sanitário, quase desmaiados. A diretora aproximou-se de mim e disse:
- Relaxa. Vou te contar o que houve. E começou: sabe o aluno tal, que chegou aqui anteontem pálido...
- Sei. O que foi?
- Ele pediu para usar o banheiro dos professores, pois o banheiro dos alunos estava sem papel. Eu permiti. Ele lançou um míssil - era um SCUD, o mesmo tipo que o Iraque usou contra os Estados Unidos na guerra do Golfo, em 1991 - e as tubulações estão entupidas. 
Dizem que o "míssil" era enorme, espesso, enegrecido e quase indestrutível - até britadeiras foram usadas, sem êxito, para tentar fragmentá-lo.
É bem verdade que talvez você não esteja vendo relação entre o título do texto e os eventos narrados. Mas essa relação se estabelece a partir do momento em que o míssil só foi descoberto no dia seguinte, quando a outra turma da limpeza chegou. A demora em encontrar o artefato acabou por produzir um efeito muito maior do que o normal, caso tivesse sido detectado logo após o lançamento.
Quando fui embora nesse dia, observei uma cena interessante: o pedreiro, com o vaso sanitário suspenso (lembrava aquele rapaz do Olodum), tentando retirar os resquícios do míssil. Ao que parece, ele conseguiu.

Um abraço.