quarta-feira, 27 de novembro de 2013

NÃO ASSASSINE O PORTUGUÊS!

Nada é tão ruim que não se possa piorar. O pressuposto trazido nesse adágio popular é facilmente empregado em qualquer ambiente, inclusive na língua. Isso porque, depois do arrefecimento de um processo linguístico denominado gerundismo - o uso excessivo e desnecessário do gerúndio, que deu origem a frases do tipo "eu vou estar verificando..." ou "nós vamos estar fazendo...", surge um outro fenômeno ao qual eu resolvi chamar de subversão de particípio. Nomenclatura complicada? Talvez. Mas isso ilustra bem a questão.
Inicialmente, eu ouvi alguém dizendo: "Se eu soubesse, eu teria trago a carne." Bem, a forma "trago" existe, entretanto equivale à primeira pessoa do presente do indicativo do verbo trazer (ou tragar, que não vem ao caso), e definitivamente não é particípio. O correto seria: "...eu teria trazido a carne." Isso mesmo: trazido. O verbo trazer tem apenas uma forma para o particípio.
Além disso, eu tenho um cunhado que adora dizer: "Você deveria ter falo isso pra mim!" Ora, a forma "falo" também pertence à primeira pessoa do presente do indicativo. O particípio do verbo falar é falado. Simples assim. Por que então complicar o negócio? Isso não só é um equívoco gramatical como também denota uma feiura extrema, que faria Olavo Bilac se contorcer no túmulo.
Mas o pior é que pessoas com formação superior também fazem uso desse tipo de construção. Dia desses, uma pessoa soltou: "Eu deveria ter peço ajuda!" Peço?!?! Horrível! 
Eu quero deixar claro que não sou paranoico em relação ao uso da língua. Numa conversa informal, sempre há deslizes ou emprego de termos, digamos, menos eruditos, mas "...ter peço" é uma afronta. E o pior é que as pessoas que falam assim acham que estão na vanguarda linguística e consideram assassinos do português aqueles que eventualmente disserem "...ter pedido" numa oração análoga.
Apenas a título de esclarecimento, há verbos chamados abundantes que admitem dois particípios - o sintético e o analítico. Um exemplo é o verbo expulsar. Dependendo do verbo auxiliar com o qual ele se relaciona é possível dizer expulso ou expulsado. Observe as orações: "O jogador foi expulso ainda no primeiro tempo" e "Ainda no primeiro tempo, o juiz já tinha expulsado três jogadores". Na primeira oração, o verbo expulsar se relaciona com o auxilar SER e portanto pede o particípio sintético (curto). O mesmo ocorreria se o auxiliar fosse o verbo ESTAR. Por outro lado, na segunda oração, o auxiliar é TER. Nesse caso, o particípio deve ser analítico (longo). Da mesma forma aconteceria se o auxiliar fosse o verbo HAVER.
Eu não sou preciosista no tocante ao uso da língua e tampouco acho que a estética do palavreado deve ser mais importante do que o conteúdo ou a informação apresentada - como se pode ver no parnasianismo, mas é preciso combater esses insultos à nossa língua materna ou do contrário, nós, que já nos cansamos de estar ouvindo gerúndio depois de gerúndio, ouviremos: eu já tinha ouço isso" ou "eles deveriam ter compro outra casa". Não é isso que queremos. Vamos respeitar nossa língua, pois ela é nossa identidade, nosso tesouro social.

Um abraço.

sábado, 26 de outubro de 2013

A sala de aula é um ambiente extremamente heterogêneo. De um lado, estão aqueles alunos em estado de inércia, que são incapazes de questionar, de problematizar, de discordar do professor ainda que este afirme que as paredes da escola são feitas de ovos, farinha de trigo e um pouco de canela para dar um sabor especial. De outro, existem alunos curiosos, irrequietos, que sempre estão em busca dos porquês. Pois bem, um dia uma aluna me interrompeu para fazer um questionamento muito pertinente:
- "Professor, eu gostaria de saber o porquê de não conseguir aprender nada de Inglês, sendo que já estou na 2ª série do ensino médio!"
Naquele momento, confesso que fui pego de surpresa. Não esperava aquela pergunta. E, como não tinha uma resposta pronta, saí pela tangente começando a elogiar a menina:
- "Parabéns pela pergunta. É isso o que vocês devem fazer! Perguntar, indagar."
Parece pouco, mas esse foi o tempo suficiente para eu formular uma resposta, no mínimo, convincente.
- "Você quer aprender, você precisa aprender ou seria bom se você aprendesse Inglês?", repliquei.
- "Quero aprender!", respondeu enfaticamente.
- "Diga-me", continuei, "há quantos anos você estuda Inglês?"
- "Há uns seis anos", respondeu a aluna.
- "E quantas palavras você sabe em Inglês? Pode ser uma estimativa", completei.
- "Acho que umas vinte."
- "Bom, então vamos fazer uma conta rápida. Você estuda Inglês há seis anos e sabe cerca de vinte palavras. Isso significa que você está aprendendo o vocabulário numa impressionante velocidade de três palavras por ano. Partindo do pressuposto que são necessárias cerca de três mil palavras para você se comunicar perfeitamente em Inglês, você precisará ser uma espécie de Matusalém, ou seja, viver cerca de mil anos. Será que você quer realmente aprender?"
A turma ficou em silêncio. A menina olhou para mim, desconfiada. Eu tinha sido muito objetivo e pragmático. Com um pouco de sentimento de culpa, expliquei para ela que todos os dias eu precisava pegar um dicionário para aprender novas palavras e que sem acúmulo de vocabulário ninguém jamais poderia colocar em prática a fala em uma determinada língua.
Ela percebeu que eu tinha razão. Depois da aula, ela me procurou e conversamos muito acerca disso. Expliquei que o estudo contínuo e sistemático é necessário para quem quer aprender algo e isso é válido para qualquer coisa: matemática, falar outro idioma, andar de bicicleta ou até mesmo fazer um bolo de ovos com canela.


Um abraço!


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

A criatividade é um dos predicados mais valorizados nos profissionais de qualquer área. Na educação, não é diferente. Para fazer frente ao desestímulo da maioria dos alunos, os professores necessitam ser criativos. Às vezes, são obrigados.
Dia desses, eu estava falando sobre cantigas medievais, explicando os conceitos relativos a essa manifestação literária portuguesa e observando nos semblantes dos alunos uma crescente impaciência, como se tudo o que eu dissera até o momento provocasse mais tédio do que propriamente reflexão. Assim, à medida que o tempo passava, minha angústia crescia: "Como poderia atrair a atenção desses alunos?", pensava. Nesse momento, a criatividade fez toda a diferença.
Eu propus à turma estabelecer um paralelo entre uma cantiga de amigo (poesia escrita para ser cantada com acompanhamento de instrumentos como flauta, viola e alaúde e cujo eu lírico adotava a perspectiva feminina) e a música "olhos nos olhos", de Chico Buarque, tendo em vista os aspectos comuns entre as duas obras. O problema é que quase ninguém conhecia o cantor e menos ainda a música. Então, com o intuito de envolver os alunos, tive uma brilhante ideia: cantar. Mais que isso, interpretar a canção. Com muita emoção. Com uma voz acostumada a grandes apresentações no chuveiro. Uma voz potente, capaz de alcançar tons de grave e agudo com uma facilidade inacreditável, mesmo estando rouco (é bom que se frise). Quando olhei para o lado, vi uma menina chorando. À esquerda, três dos alunos mais trabalhosos, estavam quietos e com os olhos marejados. No fundo da sala, um grupo se preparava para fazer aquela dancinha fraternal - aquela em que as pessoas dão-se as mãos e vão de um lado para o outro em movimentos repetidos e suaves. À porta, alguns alunos que iam beber água (o que poderia ser mais importante do que beber água para aquelas criaturas?!?!) pararam para ver minha performance. Os alunos das outras turmas começavam a chegar, uns quase pisoteando os outros para conseguir o melhor lugar. Os corredores da escola ficaram completamente lotados. A direção da escola sem saber do que se tratava. Mas como tudo o que é bom dura pouco, eu comecei a ouvir um barulho diferente, extrínseco ao ambiente que se formara: tum, tum, tum, tum! Era o despertador, avisando que eu precisava acordar e ir trabalhar.

Um abraço!

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

AVALIAI BEM!

Nas entranhas do complexo processo de ensino-aprendizagem, a avaliação é um dos aspectos primordiais. A partir dela, os professores tem uma noção concreta em relação ao estágio de desenvolvimento cognitivo em que os alunos se encontram, bem como a sua evolução no processo, além das adaptações necessárias na metodologia de ensino com o objetivo de facilitar a aprendizagem. Ocorre que o modelo de avaliação das escolas públicas na atualidade não consegue realizar seu objetivo fundamental - avaliar as competências e habilidades dos alunos - e constituem uma mera formalidade.
Em primeiro lugar, a avaliação é assistemática. Isso porque o sistema de avaliação contínua requer que, ao final de cada conteúdo ou grupos de conteúdos, os alunos sejam submetidos a uma atividade avaliativa. Se por um lado os alunos tem a facilidade de estudar conteúdos resumidos, por outro surgem dois problemas: a grande quantidade de exercícios e atividades a serem elaboradas, comentadas e corrigidas (eu tenho 9 turmas, com média de 40 alunos. Fazendo 4 avaliações por turma, chego a incríveis 1040 atividades. É muita coisa!), além da inevitável coincidência de datas (às vezes, os alunos fazem atividades de três ou mais disciplinas no mesmo dia). Para melhorar essa situação, um calendário de provas seria uma alternativa. Mas ouse falar nisso nas escolas públicas e você correrá o risco de ser taxado de blásfemo, herege, antiquado, ultrapassado ou algo do gênero.
O interessante é que, nas universidades públicas ou privadas, o professor, ainda no primeiro dia de aulas, entrega a ementa do curso. No documento, estão previstas as datas das avaliações de cada unidade: ou isto é um calendário de provas ou o Brasil fica na Ásia! Dessa forma, essa ideia de que um calendário de provas é coisa do passado é um belo de um sofisma, estultícia apregoada pelos modismos pedagógicos.
Ademais, a escola, constrangida pelo sistema educacional proposto no Brasil - a verdadeira preocupação reside na taxa de aprovação e não na qualidade da aprendizagem - parece não ter interesse de exigir que o aluno realize sua obrigação mais básica: estudar. Infelizmente, o cenário que se apresenta é aquele em que o professor finge que ensina, o aluno finge que aprende e todos vivem felizes para sempre. Essa triste realidade precisa ser combatida. É preciso deixar os estereótipos de lado e aplicar iniciativas positivas, independentemente do momento histórico ao qual pertençam. Eu sou de uma época em que a maioria absoluta dos alunos dava a devida importância às avaliações e reconheciam a necessidade de estudar para enfrentá-las. Ninguém, até onde eu sei, morreu por causa disso. Hoje, em contrapartida, a educação assiste, inerte, a um processo de mitigação das avaliações o qual serve apenas para aumentar o abismo existente entre escolas públicas e privadas. O resultado desse fenômeno é um número cada vez maior de alunos oriundos de escolas públicas frequentando universidades privadas, apoiados por programas sócio-populistas do governo ao passo que alunos da rede privada de ensino abarrotam os bancos das universidades públicas: utopia!
É importante ressaltar ainda a diferença na concepção de avaliação facilmente verificada dentro do próprio sistema. No ensino médio, as avaliações são fragmentadas e superficiais. Nesse sentido, o aluno chega para prestar um exame como o ENEM trazendo na sua bagagem uma experiência totalmente diversa, uma vez que as provas do exame são extensas, contextualizadas e integradas. Em outras palavras, o aluno tem vida fácil nas escolas públicas e são submetidos a uma prova elaborada pelo Ministério da Educação cujo nível é alto. Nessa situação, o aluno será exigido severamente e suas chances de êxito tornam-se ínfimas ou muito próximas disso, considerando o fato de eles não terem sido exigidos na escola. Os professores, inegavelmente, tem sua parcela de culpa, mas o sistema coage o professor a trabalhar de mãos atadas.
O sistema de avaliação precisa ser rapidamente rediscutido e aprimorado. A esse aspecto deve ser atribuída a devida importância. O aluno precisa ter a responsabilidade de estudar e saber que será exigido nas provas. Um padrão nacional deve ser adotado em todos os níveis de ensino. A avaliação tem que avaliar. Apenas assim a escola pública terá a chance de recuperar sua credibilidade, perdida ao longo dos anos, e os alunos saberão por quê e para quê estão sendo avaliados.


Um abraço

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Intrigas existencialistas à parte, o professor é um ser social cuja importância, tantas vezes surrupiada pelos desmandos das autoridades e até por alguns segmentos da sociedade, é indiscutível. E o maior salário que este profissional recebe não é de caráter pecuniário. A gratidão, a amizade, o respeito e o reconhecimento por parte dos alunos, em muitas situações, representam mais do que nossos rendimentos de final de mês.
Dias atrás, eu estava entrando na sala de aula para realizar minha labuta diária. Eis que um aluno aproximou-se de mim e disse:
- Professor, tenho uma surpresa para o senhor.
Instantaneamente, ele colocou a mão no bolso da calça. Como eu estou liderando uma campanha denominada AJUDE SEU PROFESSOR A TROCAR DE CELULAR, eu imaginei que ele fosse doar alguma quantia. Ledo engano. Ele sacou do bolso um telefone celular. Mais que depressa, ele acessou uma pasta cheia de arquivos de músicas - acho que havia umas duzentas. Ele apertou o play.Subitamente, os acordes de uma belíssima canção começaram a soar freneticamente:

Tchê, tchê, tchererê, tchê, rum rum
Tchê, tchê, tchererê, tchê, rum
Tchê, tchê, tchererê, tchê, rum rum
Ninaninanina, ninaninanina (2x)

Como não entendesse nada, fiquei olhando e ouvindo, no aguardo de uma explicação a qual, a bem da verdade, veio em seguida:
- Eu sabia que o senhor gostava dessa música. Fui procurar na internet e baixei. E continuou:
- Eu não gostava do Grafith, mas agora sou fã!
Aquilo, para ele, fazia muito sentido. Era uma homenagem genuína, honesta, de coração. Evidentemente, eu não esperava tal acontecimento. Assim como não esperava que meus olhos se enchessem de lágrimas. Foi uma emoção muito grande. 
O que me chamou mais a atenção foi, certamente, a escolha da música. Eu odeio o Grafith. Contudo, para não parecer insensível, agi como se estivesse ouvindo alguma das minhas músicas preferidas. E antes que esqueça, gostaria de contar com a discrição de vocês, caros leitores desse blog, no sentido de não revelar minhas preferências musicais e não constranger ninguém que eventualmente queira prestar-me uma homenagem análoga.


Um abraço

sábado, 27 de julho de 2013

ONDE SE GANHA O PÃO, NÃO SE COME A CARNE...

Ainda na primeira metade dos anos 2000, eu comecei a lecionar no ensino médio. A princípio, isso resultou numa combinação explosiva, quiçá nitroglicerínica, entre inexperiência e hormônios à flor da pele. O deslumbramento com algumas meninas deixava o lado profissional em segundo plano. E como "quem procura, acha", eu achei.
Achei muitas meninas simpáticas, algumas bonitas e duas lindas sobre as quais coloquei os olhos. Nos dias seguintes, busquei informações sobre elas. Fiquei sabendo que uma delas tinha namorado, mas a outra estava solteira. Incentivado pela curiosidade, investiguei sua vida e descobri seu endereço, seu CPF, seu tipo sanguíneo, seu time de coração, sua cor preferida, entre outros detalhes importantes, além da sua idade. Àquela altura, a diferença de idade - eu, 24 e ela, 16 - não poderia representar um problema. Poderia? Bem, "como quem está na chuva é para se molhar", fui verificar.
Um dia, então, durante uma festa da escola, ela me chamou para dançar. Meu estilo de dança era o estilo "pilastra de concreto"¹. Acho que ela gostou. E música vai, música vem, eu a beijei. Naturalmente, depois de alguns dias, resolvemos engatar um namoro: esse foi o problema. A menina revelou-se muito apressada (se é que vocês me entendem!) e as coisas começaram a ficar sérias. De um lado, a vontade de aproveitar a chance. Do outro, o senso de responsabilidade. Eu pensava: qual dos dois é o mais forte?
Depois de alguns dias, concluí: aquele que eu alimentar mais. Era isso. Felizmente, eu decidi recuar e terminei o namoro da maneira mais cuidadosa possível. Tudo parecia ter ficado bem. Entretanto, nos dias subsequentes, a menina não veio à aula. Uma, duas, três semanas e nada. Todos perguntando por ela. Os boatos correndo a escola à boca miúda. Ligações não atendidas, mensagens não respondidas. Tentativas em vão de falar com ela.
Para piorar o cenário, a diretora da escola me chamou para conversar. Eu expliquei a situação, mas saí da sala da direção muito preocupado. Afinal, uma eventual desistência da aluna entraria na minha conta e, sinceramente, uma das piores coisas da vida de um professor é saber que alguém abandonou a sala de aula por sua culpa. A partir desse momento, criei uma força tarefa para trazê-la de volta à escola. Arquitetei um plano perfeito. Convenci sua amiga a marcar um encontro com ela, de modo que eu, sorrateiramente, pudesse aparecer, como os heróis de filmes fazem. Assim aconteceu. Quase que à força ela enfim me ouviu. Foram horas de um intenso monólogo, explicações e muita argumentação. Ela aceitou. Eu tinha conseguido. Tinha convencido pelo cansaço. Ela afirmou que voltaria às aulas naquela semana e eu retirei das costas um piano enorme sobre o qual encontrava-se deitado um elefante branco.
No dia seguinte ao nosso encontro - que ocorrera num domingo - voltei a conversar com a diretora. Ela me disse: "onde se ganha o pão, não se come a carne" e saiu, com um sorriso irônico, emblemático. Na hora, eu não entendi. Mas, analisando toda a situação, aquelas palavras caíram como um luva. Eu aprendi isso algum tempo depois e como não sou vegetariano, ainda tive tempo de provar alguns pedacinhos de carne...

¹ Estilo de dança contemporâneo, criado por mim, e que consiste em ficar parado, numa posição perpendicular ao solo.

Um abraço!

sexta-feira, 19 de julho de 2013

AFETIVIDADE!?!?




Qual é a primeira coisa que vem à sua cabeça quando você ouve a palavra AFETIVIDADE? Se sua resposta é amor, carinho ou algum sentimento afim, saiba que seus pensamentos seguem a mesma linha de raciocínio da grande maioria dos profissionais de educação. É muito comum as pessoas conceberem afetividade como um sentimento cuja existência pode ser demonstrada unicamente através de atitudes de carinho com alguém. Isso pode ser explicado se observarmos apenas o prisma etimológico da questão.
Ocorre que, considerando-se o contexto pedagógico, o termo afetividade não é um mero sinônimo daqueles sentimentos. Afetividade consiste na forma como os estímulos externos (um olhar de aprovação ou reprovação, uma informação fornecida pelo meio, a organização do ambiente) ou internos (o medo, a fome, a alegria) afetam os indivíduos. Essa é a relação de afetividade.
De acordo com Abigail Alvarenga Mahoney, pesquisadora do Programa de Estudos de Pós-Graduados em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), todos os seres humanos são afetados positiva e negativamente e reagem aos estímulos do meio. Dessa forma, pode-se concluir que o fenômeno da afetividade é observado nos casos em que há interação entre os seres ou entre os seres e o meio, independentemente de ser uma relação baseada no carinho ou uma situação traumática a qual um indivíduo seja submetido. Em ambos os casos, o indivíduo é afetado. Partindo desse pressuposto, é possível concluir que a afetividade, como aspecto intrínseco a todo indivíduo, apesar de ser algo interior, é desenvolvido pelas interações, ou seja, uma demonstração de carinho por si só não é suficiente no sentido de garantir a afetividade. Torna-se necessário que a pessoa a quem o gesto foi direcionado produza alguma resposta. 
Definitivamente, o estímulo que o meio produz é decisivo para o desenvolvimento do indivíduo. Sendo assim, entregar prédios bem equipados, limpos e adequados às necessidades dos alunos, manter os professores atualizados e qualificados, reunir uma equipe pedagógica comprometida são requisitos indispensáveis para a garantia do crescimento cognitivo e social dos alunos. O oferecimento desses recursos produzirá respostas positivas dos alunos e isso constitui-se em iniciativas infinitamente mais importantes do que chamá-los o tempo todo de "meu amor." 










Um abraço

quinta-feira, 13 de junho de 2013

A TRUE LOVE


A TRUE LOVE DARES TO BE WARMER THAN THE WARMEST SUNSHINE,
SOFTER THAN A SIGH.
A TRUE LOVE NEEDS TO BE DEEPER THAN THE DEEPEST OCEAN,
WIDER THAN THE SKY.
A TRUE LOVE MUST BE BRIGHTER THAN THE BRIGHTEST STAR
STRONGER THAN A RHYME.
A TRUE LOVE SHOULD BE TRUER THAN THE TRUEST WORD,
HIGHER THAN A CLOUD.
AND THERE WILL BE NOTHING IN THIS WORLD
THAT CAN CHANGE SUCH A LOVE:

NO DISTANCE. NO TIME.


UM ABRAÇO


* Adapted by Danilo César from an unkown author poem.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

PESADELO MUSICAL

Você conhece alguém que está aprendendo a tocar algum instrumento? Você conhece alguém que conhece alguém que está aprendendo a tocar algum instrumento? Não?! Sorte sua. Vou explicar.
Alguns anos atrás, eu tinha um aluno determinado a aprender a tocar flauta. Quando ele acordava, antes mesmo de escovar os dentes, já estava soprando sua flauta. Na escola, em meio a livros, cadernos e canetas, o instrumento tinha lugar de destaque. No ínterim das aulas, aquelas melodias soavam. Todos os dias. O dia todo. Do início ao fim do horário de aulas, era possível ouvir as notas musicais reproduzidas por aquele instrumento de sopro.
Às vezes, eu perdia a paciência:
- Menino, pare um pouco!
- Professor, estou aprendendo. Vou tocar mais baixo.
E assim caminhava a humanidade: minhas aulas eram ministradas, à exceção de pausas forçadas, no embalo da melodia do aluno-flautista. Um dia, porém, ele começou a tocar uma música da qual eu tinha ódio, daquelas irritantes (todos temos uma música assim) e mesmo pedindo várias vezes para o menino parar, ele continuou. Não restando mais o que fazer, convidei o indivíduo a retirar-se da sala. Ele prontamente atendeu, mas ficou em um local próximo, possibilitando a mim ouvir tudo o que ele produzia. Terá sido de propósito?
O fato é que aquilo irritou-me sobremaneira. De tanto ouvir os acordes, a música ficou na minha cabeça tal qual uma lembrança ruim. À noite, antes de dormir, a música reverberava na minha consciência. Mas o sono foi mais forte e consegui adormecer. Lá pela madrugada, contudo, tive um pesadelo muito real e assustador, digno de um conto de Edgar Allan Poe. Eu sonhei que estava voltando para minha casa. As horas já eram avançadas. A rua, escura como o breu, poderia esconder perigos e armadilhas para alguém desavisado. Foi então que ouvi um barulho um tanto familiar. Fingi não dar atenção e continuei andando. Mais à frente, voltei a ouvir o dito barulho - parecia uma nota musical - cuja intensidade ia paulatinamente aumentando. Algum tempo depois, o mesmo som. Não resisti: olhei para trás e vi uma música aproximando-se rapidamente de mim. Não era qualquer música. Era aquela que o menino tocava. Era uma música horrível. Tinha dentes enormes e pontiagudos, olhos esbugalhados e vermelhos, cabelo negro encobrindo suas orelhas de abano e usando uma camiseta com um símbolo parecido com uma caveira. As pernas eram finas como as de um pardal e os pés pareciam duas lanchas. Ao ver aquilo, pensei duas coisas: "isso parece uma mistura de funk com sertanejo e reggae das antigas", e "essa miserável não consegue me pegar."
Então, sem esperar pelo pior, saí em disparada de modo que os meus calcanhares batiam nas minhas nádegas. E a música correndo atrás de mim - pega, não pega, pega, não pega - e quando ela estava quase me alcançando, acordei. Foi um momento de grande alívio perceber que tudo não passava de um pesadelo. Até hoje, há duas coisas que não consigo fazer: aprender a tocar algum instrumento e ouvir música sozinho.


Um Abraço

sábado, 25 de maio de 2013

Alguns dias atrás, publiquei em meu perfil de uma rede social a seguinte postagem: "Há pessoas que podem bater no peito e dizer: EU SOU BURRO!!!! É triste, mas é real." Algumas pessoas se espantaram. Outras concordaram. Porém, o que mais chamou minha atenção foi o uso de uma reflexão de Paulo Freire acerca do saber das pessoas para refutar minha colocação: "Não há saber maior ou menor. Há saberes diferentes."
Eu reconheço minha insignificância intelectual diante do grande educador e filósofo recifense que traçou sua brilhante trajetória pelas veredas da pedagogia. Entretanto, o exercício de análise e de reflexão sobre as ideais alheias também nos torna indivíduos críticos, como tanto almeja Freire. Ninguém deve aceitar as ideias de terceiros por modismo ou sem analisá-las. Pois bem. Convido os caríssimos leitores desse blog para discutirmos sobre isso.
 Considerando pessoas que vivem em contextos ou realidades diferentes, a reflexão Freireana é absolutamente indiscutível. Não há como comparar os saberes que um médico, por exemplo, adquiriu com o conhecimento do qual um advogado apropriou-se, assim como traçar um paralelo entre o conhecimento de um pescador com o de um engenheiro . São áreas distintas. Ninguém, em sua sã consciência, vai contratar um advogado para realizar uma cirurgia e nem um pescador para fazer a planta baixa de um imóvel. Dessa forma, cada saber referente aos profissionais supracitados tem sua relevância, sua importância e não podemos fazer juízo de valor através de uma comparação simples entre eles. Além disso, o conhecimento adquirido pelas experiências da vida não é menos importante do que os conhecimentos acadêmicos.
Contudo, imagine a seguinte situação: um professor, numa sala de aula com quarenta alunos, vai ensinar a esses indivíduos a somar um meio mais um terço (1/2 + 1/3). Com base na experiência de quase treze anos de sala de aula, posso afirmar que uma parte desses indivíduos aprenderão quase que instantaneamente; outra parte terá um pouco de dificuldade, mas também assimilará o conteúdo; outra parcela terá muita dificuldade e somente aqueles que se esforçarem para superar tal problema, conseguirão aprender; outros, ainda, não conseguirão. E, se levarmos em conta que o professor empregou os mesmos métodos para todos, fica claro que há pessoas que possuem déficit cognitivo.
O que torna essa opinião diferente da opinião de Paulo Freire é a prática de mais de uma década de sala de aula. Eu gostaria muito de ver o grande Paulo (hoje descansando na eternidade) lecionando numa escola pública como o João Guió, em Arez-RN, pelo menos durante um bimestre. E acreditem em mim: isso não é uma falácia ou ideia perniciosa. Isso é um desejo sincero. Porque só assim, nós teríamos a oportunidade empírica de checar se aqueles métodos produziriam, de fato, algum resultado positivo. Seria a chance de usar todo o arsenal teórico apresentado por Freire no cotidiano escolar.


Um abraço


sexta-feira, 10 de maio de 2013

VOCÊ QUER, PRECISA OU SERIA BOM APRENDER?

Um colega professor de Inglês estava ministrando sua aula normalmente. Em meio às suas tentativas infrutíferas de fazer-se entender pela turma, ele foi interpelado por uma aluna em cujo semblante qualquer pessoa seria capaz de perceber traços de resignação e desânimo. A menina levantou o seguinte questionamento:
- Professor, eu estudo Inglês desde o sexto ano do ensino fundamental e não consegui aprender nada. Por quê?
O professor, com muita presença de espírito, respondeu lançando mão de uma pergunta:
- Caríssima aluna, você quer, precisa ou seria bom aprender Inglês?
- Eu quero! Isso é óbvio!
Diante dessa resposta veemente e impetuosa, o professor continuou:
- E quantas palavras você conhece em Inglês? Pode ser uma estimativa.
- Umas vinte...
- Bem - arrazoou o professor - partindo do pressuposto teórico de que são necessárias cerca de três mil palavras para alguém comunicar-se em Inglês sem grandes problemas, você precisaria viver em torno de mil e quinhentos anos. Isso porque você consegue aprender palavras na incrível velocidade de duas palavras por ano! Dessa forma, você quer realmente aprender?
A menina, em função de uma resposta tão absolutamente incisiva e factual, não teve argumentos para continuar a discussão.
- Aprender algo - insistiu o professor - exige invariavelmente o querer. Quando alguém quer realmente aprender uma língua, tocar um instrumento ou andar de bicicleta, essas tarefas tronam-se mais simples à proporção que o desejo e a vontade de realizá-las aumentam de verdade. Se não quer, o aprendizado tende a ser algo improvável para não dizer impossível.
Depois disso, a menina mudou drasticamente sua maneira de se relacionar com a língua inglesa. Há relatos de que hoje ela consegue aprender quatro palavras por ano. Isso já é um grande avanço!

Um abraço

quinta-feira, 11 de abril de 2013

SEGURO MORREU DE VELHO

De todas as situações constrangedoras por que um professor pode passar, sofrer uma queda dentro da sala de aula é algo terrível. Afirmo isso por experiência própria.
Certo dia, cheguei para dar as minhas aulas. Tudo estava dentro da normalidade. Alguns alunos contando piadinhas infames aos colegas, muitos ainda sem ter resolvido se entrariam na sala ou não, outros conversando sobre aqueles assuntos tão importantes para adolescentes (espinhas, cor da roupa e namoro) e umas três ou quatro testemunhas sentadas, morrendo de ansiedade pelo início da aula.
Como de costume, cumprimentei a todos, expliquei o ínterim da aula que teríamos e fiz a chamada. Em seguida, peguei meu material (entenda-se por material livro e giz, pois naquela época equipamentos modernos de multimídia como datashow eram coisas de filme de ficção científica nessa escola) e escrevi um pequeno texto na lousa. Ocorre que a maioria dos alunos demora muito tempo para realizar a mera tarefa de transcrever algo do quadro. Não sei se fazem isso de propósito ou se leem da direita para a esquerda. O fato é que, como estavam demorando muito, eu resolvi sentar-me um pouco. Displicentemente, não observei que as pernas da cadeira estavam demasiadamente afastadas uma da outra (esta suspeita ficou comprovada depois, na perícia, quando descobriu-se que o ângulo formado pelas pernas da cadeira e o assento era de 148°) e, somando-se isso à força da gravidade, estatelei-me no chão, de costas e com as pernas para cima, exatamente no recanto da parede.
Imagine o silêncio de um cemitério às quatro da manhã. O silêncio da sala era ainda maior! Os alunos me olhavam surpresos, atônitos, estáticos, com os olhos esbugalhados, sem aparentemente acreditar no que havia acontecido. Esse silêncio ensurdecedor durou intermináveis segundos. Foi então que eu, tentando minimizar a importância daquele acontecimento e fingindo o engraçadinho, disse:
- Vocês não vão me ajudar, não?!
Pronto! Era o que faltava: todos começaram a rir incontrolavelmente, como se a minha fala tivesse acendido o pavio. Eu, em parte por estar atordoado em função das gargalhadas e em parte por estar realmente engalhado, não conseguia me levantar. As meninas da frente riam e choravam ao mesmo tempo. Reza a lenda que uma delas sorriu três dias com três noites. Eu estava mais desorientado do que um cego no meio de uma tempestade de areia no deserto e com a bússola quebrada.
Depois de um bom tempo, vieram dois filhos de Deus e levantaram-me. Da aula, a partir de então, só restou o nome. E até hoje aquelas gargalhadas reverberam na minha mente e não sento numa cadeira sem antes verificá-la.

Um abraço!

sexta-feira, 22 de março de 2013

A LUTA É GRANDE, MAS...

Todos sabem, supõem ou desconfiam de que ser professor é algo extremamente estressante. A labuta nunca acaba quando termina. O profissional dessa área vai para sua casa após uma jornada de trabalho e o que ele faz? Trabalha, é claro! Ele planeja aulas, prepara tarefas, corrige atividades, pesquisa.
Em certos momentos, a carga de estresse é tão insuportavelmente grande que o profissional pensa seriamente em mudar de profissão. Foi o que aconteceu comigo ontem. Por alguns instantes, eu considerei a hipótese de entrar na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Afinal, subir aqueles morros segurando um fuzil AK-47 e trocar tiros com a bandidagem não deve ser tão estressante quanto encarar certos tipos de alunos.
Imaginem que eu preparei uma atividade de tradução e interpretação de texto. Configurei a página de modo que nela coubessem quatro cópias de um mesmo texto, para ser mais econômico e ambientalmente correto. Assim, ao chegar na sala de aula, passei todas as instruções para o aluno o qual teria a responsabilidade de repassar as informações para o restante da turma uma vez que eu precisava estar em outra turma naquele momento.
Acontece que, cerca de dois minutos depois, chega o menino:
- Professor, para que serve essa folha?
- Companheiro, vocês vão utilizar o texto para fazer a atividade.
- Entendi.
Ele retornou para sua sala, porém sequer passaram dois minutos e lá vem o mesmo cidadão de volta:
- Professor, é uma página para cada um?
- Não. Você deve recortar as páginas e distribuir, de modo que cada aluno fique com o seu texto.
- Ok.
Quando eu pensei que não, eis que o mesmo indivíduo vem até onde eu estava. Ao vê-lo vindo em minha direção, comecei a sentir algo estranho. O coração acelerou. Se eu tivesse problemas cardíacos, certamente teria sido acometido por um infarto do miocárdio.
- Professor, esse texto é para quê?
Eu respirei fundo, contei até trinta e cinco (até dez não seria suficiente) e respondi:
- Meu filho, você já leu o enunciado da atividade?
- Já!
- O que é que diz lá?
- Para procurar as palavras que eu já conheço e produzir um vocabulário.
- Pronto! É para fazer isso!
Certo de que não seria mais interpelado para responder às mesmas questões, voltei à minha aula. Contudo, por incrível que pareça, eu fui até a porta e vislumbrei aquele mesmo aluno, aquele filho de Deus, o dito-cujo vindo na minha direção, com uma cara de dúvida, coçando a cabeça e segurando uma folha de papel. Quando eu vi aquilo, numa atitude instintiva de autodefesa, saí em disparada correndo pela escola numa velocidade digna de fazer inveja até a Usain Bolt. Era uma tentativa desesperada de fugir. Graças a Deus, consegui me esconder perto do banheiro e depois que eu o vi passando, voltei pelo outro lado, fechei a porta da sala onde estava e fiquei esperando a aula terminar.
Depois de tudo, já calmo e sereno, eu encontrei o menino. Ele disse:
- Professor, procurei o senhor na escola inteira! Onde estava?
- Estive aqui o tempo todo. O que você queria?
- Eu só queria saber se o senhor gosta de graviola. Se gostar, amanhã eu posso trazer umas para o senhor.
- Que aluno gentil! Diga-me uma coisa: você conseguiu fazer a atividade?
- Bem, ainda estou com dúvidas.
- É mesmo? Posso explicar tudo de novo se você quiser...

Um abraço


terça-feira, 19 de março de 2013

É UMA GOIABA? É UMA MAÇÃ? NÃO! É UMA PYRUS COMMUNIS

Durante mais de dois anos em que trabalhei à tarde, numa cidade vizinha, eu tinha o hábito de levar uma fruta para comer na hora do intervalo. Isso porque, apesar de as cozinheiras da escola entenderem muito do riscado, eu não gostava de sopa ou de macarrão com carne moída no meio da tarde por causa do fogo do batatão (sensação de calor exacerbado típico de cidades do agreste potiguar).
Um dia, como de costume, eu estava lavando a minha fruta e preparando-me para saboreá-la. Mas, justamente nesse dia, não havia merenda na escola. Depois que dei a primeira mordida no suculento fruto, percebi um menino desconsolado, olhando fixamente para meu alimento vespertino. Fiquei um pouco inquieto, talvez constrangido, mas continuei me deliciando. Quando tornei a olhar na direção do menino, ele continuava olhando para minha fruta, fixamente. E mesmo sem ter certeza de que ele aceitaria, ofereci a fruta. Foi o mesmo que perguntar a um cego se ele quer ver!
O menino começou a comer a fruta. Freneticamente, ele abocanhava a pobrezinha, cravando seus incisivos centrais, laterias e caninos na polpa da fruta. A sua mandíbula trabalhava como se fosse um rolo compressor. Eu não resisti a assistir àquela cena por muito tempo. Um homem de neandertal, faminto há três dias, não teria tais modos. Então, fui ao banheiro e fiquei lá por cerca de cinco minutos. Ao sair, observei o menino ainda no mesmo lugar, mordendo alguma coisa. 
- "O que será que ele ainda está comendo?!", pensei. "Aquela pobre fruta não pode ser. Dela, não escapou nem a alma!", arrazoei.
Como para dirimir essa dúvida, resolvi ir até o menino. Foi uma grande surpresa: ele já tinha devorado a polpa, mas não satisfeito, estava roendo o talo da fruta. O coitadinho do talo estava amassado, contorcido, destruído pelos molares do menino. Confesso, caro leitor, que tive muita pena do talo. E quando ia me afastando, o garoto perguntou:
- "Professor, que fruta é essa?"
- "Eu até poderia te dizer, mas como você a devorou com requintes de crueldade, não vou falar", respondi.
- "É goiaba? Maçã?", insistiu ele.
- "Faça o seguinte: pegue os restos mortais dela e leve até o Instituto de Criminalística. Lá eles te dirão", retruquei.
A fruta, caros leitores, era uma pera. Coitada dela.

Um abraço

sábado, 9 de março de 2013

É LEGAL, MAS NÃO É JUSTO

De tempos em tempos, os brasileiros são surpreendidos por leis absurdas, verdadeiras aberrações jurídicas que servem apenas para mostrar o quão distante estão o discurso e a prática do legislativo nacional. A lei que estabelece cotas para negros em universidades públicas é mais uma delas.
Em primeiro lugar, toda forma de preconceito deve ser severamente combatida. Entretanto, a partir do momento em que o legislador estabelece, com base legal, um tipo de seleção distinto para determinado grupo, raça ou etnia, ele admite a existência de diferenças e reforça a ideia de um Apartheid à brasileira. É inadmissível desprezar um dos mais emblemáticos preceitos da nossa Carta Magna - a Constituição Federal - que diz sermos todos iguais perante a Lei. Em outras palavras, o legislador cria uma lei para desdizer a própria lei.
Além disso, esse tipo de favorecimento traz consigo, implicitamente, a noção de que os negros são inferiores do ponto de vista cognitivo. Mas com base em quê? Há muitos exemplos de pessoas de pele negra que atingiram o auge naquilo que se propuseram a fazer, lançando mão de sua intelectualidade. Como não lembrar da liderança de Martin Luther King Jr. observada em seus discursos épicos e verdadeiros; como  esquecer de Machado de Assis, o às da Literatura Brasileira, dono de um senso de humor extremamente rebuscado; de Kofi Annan,diplomata ganês e ex-secretário-geral da ONU;  de Joaquim Barbosa, presidente do STF entre tantos outros. Será que esses negros precisariam de alguma forma de facilitação para entrar numa universidade? Obviamente, não!
É importante ressaltar, ainda, que o Brasil é uma nação fundamentalmente miscigenada. Sendo assim, encontrar um brasileiro que não possua em sua formação genética nenhum traço afrodescendente configura-se uma tarefa muito pouco provável, para não dizer impossível.
O que fica claro aqui é mais uma atitude paliativa, mais um "jeitinho brasileiro", de tentar resolver o problema da falta de oportunidades para determinados grupos, retirando a responsabilidade das costas do poder público. Ocorre que, ao invés de eleger a cor da pele das pessoas como aspecto principal na determinação dessas cotas, os legisladores brasileiros deveriam considerar os indicadores sociais. Nesse sentido, pessoas de baixa renda - independentemente da cor de sua tez - poderiam ter o benefício das cotas como uma espécie de compensação, uma vez que estes não tiveram as mesmas chances de estudar como tem as classes mais abastadas. Ademais, o poder público deveria investir pesado na educação, garantindo a todos, seja na periferia ou nos grandes centros, as mesmas oportunidades de estudo. Só assim não haveria mais esse tipo de disparate legal.

Um abraço

quarta-feira, 6 de março de 2013

NÃO ATIRE COM A MUNIÇÃO DOS OUTORS

Em 1988, eu estava na 4ª série do primeiro grau (5º ano do ensino fundamental, atualmente). Na minha turma, havia um sujeito malvado, um canalha, uma espécie de Joey Caruso (daquele seriado praticamente inédito na TV Todo Mundo Odeia o Chris). O garoto praticava toda sorte de traquinagem. Pegava a bola que os meninos levavam para se divertir na hora do intervalo; colocava goma de mascar no cabelo das meninas; batia nos meninos; tomava e comia aquele lanche sensacional - salgadinho com din-din - e ainda ficava rindo das vítimas. Eram tempos difíceis. Mas como nada é tão ruim que não se possa piorar, eu era um dos alvos principais. Quase todo santo dia, ele me obrigava a sentar em cadeiras diferentes e isso me irritava muito, pois eu gostava de ficar na frente da sala. Eu tinha muita raiva, mas tinha mais medo ainda.
Um dia, entretanto, minha mãe pediu a meu irmão para ir comprar o pão. Eu o acompanhei até a padaria e se você está achando que eu encontrei o menino da minha turma na padaria, você acertou. Ele estava lá!
Eu olhei para meu irmão - que já era um galalau forte - e comecei a contar as coisas que aquele indivíduo aprontava na sala. Meu irmão olhou para mim e disse:
- Vai lá, dá umas porradas nele. Se ele vier bater em você, eu te defendo.
Confesso que fiquei balançado. A proposta era muito tentadora. E sem avaliar as consequências, fui até ele e comecei a provocar, enquanto meu irmão ficou escondido perto da porta.
- Ei, vem tirar onda comigo agora. Eu te quebro no meio. Tu tá achando que eu tenho medo de você? Acreditem ou não, fui eu quem disse isso.
Quando ele se virou para mim e ameaçou vir na minha direção, eu reagi - fechei os olhos -e meu irmão surgiu do nada. O menino, claro, baixou a cabeça e foi saindo de mansinho ouvindo uma série de palavras as quais não serão publicadas aqui  em detrimento de seu teor de baixo calão. Eu fiquei extremamente aliviado, como se tivera passado por um catarse (purificação definida por Aristóteles em seu livro Poética). O grande problema é que as coisas não tinham acabado por ali. No dia seguinte, haveria aula e eu só me dei conta disso quando estava voltando para casa.
Foi uma noite horrível. Não preguei os olhos. Para onde eu olhava, eu via aquele rosto encolerizado. De manhã, saí mais cedo que o habitual. Convenci o vigilante para entrar logo (dentro da escola eu estaria mais seguro, pensei) e fiquei na sala de aula aguardando.
De repente, eis que surge o menino. Segurando um chicote de goiabeira, ele golpeou a minha mesa. Eu, tal qual faria um soldado americano desarmado ao encontrar um soldado vietnamita armado até os dentes no meio da guerra, baixei a cabeça e esperei o pior. Ele aproximou-se e disse:
- Repita agora o que você estava falando ontem! E olhando fixamente para mim, ele gritou um monte de palavrão. Por incrível que pareça, essa foi a minha sorte: sua mãe era professora na escola e ao ouvir aqueles gritos, ela reconheceu imediatamente a voz do filho. Ela entrou na sala e mandou que o menino parasse. Depois disso, ela o chamou pra conversar e nunca mais o garoto voltou a me perturbar. Até hoje eu me pergunto: "o que será que ela disse a ele que o fez mudar de comportamento?". Como eu nunca encontro uma resposta, prefiro contar que ele ficou com medo de me encarar.


Um abraço

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Era para ser uma simples apresentação de trabalho para a disciplina de Oral Expression. O professor havia pedido à turma que fizesse um Speaking - de 10 a 15 minutos - com tema livre, desde que fosse algo interessante, e nós tivemos cerca de uma semana para preparar o trabalho. Eu andava meio cansado, com aquela mania de deixar para o dia seguinte aquilo que você deve fazer hoje. E o tempo passou.
Quando pensei que não, já era a véspera da apresentação. Comecei a procurar algo interessante e encontrei um texto sobre Grafologia (estudo pseudocientífico que tem como base a análise da escrita para inferir sobre traços da personalidade das pessoas). Era isso!
Li o texto algumas vezes, pesquisei o assunto e estava com a apresentação na cabeça. Mas faltava alguma coisa. Faltava um diferencial. Faltava algo que prendesse a atenção da plateia.
Na hora da minha apresentação, comecei a falar sobre a grafologia com propriedade de sorte que pedi a um voluntário para escrever algo no quadro. Feito isso, fiz uma análise - superficial, é verdade - da escrita da menina, atraindo a curiosidade e atenção de todos.
Entre os espectadores, estava meu melhor amigo. Não era um melhor amigo qualquer. Era um sujeito baixinho, marrento, implicante, ranzinza, ensimesmado, fã de Morrissey e, ainda por cima, torcedor do Vasco. Era uma espécie de antagonista, de inimigo íntimo, que disputava comigo as melhores notas. Quando eu olhava em sua direção, ele fazia macaquices, tentando me desestabilizar. "Eu te pego, seu ...", eu pensava.
De repente, ele se levanta, dizendo com um tom desafiador: "Quero que você analise a minha escrita". As letras dele eram muito bonitas, quase desenhadas. Lembravam até letras de mulheres. "Pois não", respondi, "escreva algo na lousa". Ele escreveu um trecho de uma música do Morrissey.
Transmitindo seriedade, comecei a análise: "A sua escrita, companheiro, revela que você é um cara muito organizado, metódico, detalhista. A letra inicial maior fornece a impressão de que você é muito perfeccionista. Mas o detalhe que mais me chamou a atenção são aquelas letras caídas para a esquerda. Isso revela uma forte tendência ao homossexualismo!". Quando olhei, todos estavam rindo incontrolavelmente, inclusive o professor. O meu amigo era um misto de raiva com vergonha. Havia sido um golpe duro! Em meio às gargalhadas e comentários infames, eu precisei intervir:
"Calma, amigo! É apenas uma tendência. Não disse que você é gay! E mesmo que você seja, qual é o problema?"
Depois disso, as coisas voltaram ao normal. O professor elogiou a apresentação, solicitando, inclusive, que eu analisasse sua escrita. E o meu amigo passou o resto do curso dizendo que iria me dar o troco. Graças a Deus, até hoje não recebi nada!


Um abraço

domingo, 24 de fevereiro de 2013

A EDUCAÇÃO É UMA ENGRENAGEM

O perfeito funcionamento de uma engrenagem depende da coordenação entre todas as peças que a compõem. Não é necessário ser um Engenheiro Mecânico para perceber que, quando uma dessas peças, independentemente da função que desempenha, apresenta algum problema, todo o conjunto invariavelmente será prejudicado. A peça defeituosa é submetida a uma análise. Verifica-se, então, a necessidade de retificá-la ou substituí-la. As peças adjacentes não sofrerão nenhuma intervenção, a não ser em caso de comprometimento, em prejuízo daquelas já avariadas.
A engrenagem chamada educação é formada por várias peças, quais sejam: alunos, professores, coordenação pedagógica, administração, estrutura física, recursos tecnológicos e família. Cada peça dessa possui sua importância, sua função. E, muito embora essa "engrenagem" apresente um caráter subjetivo, a grande diferença encontra-se na maneira como uma eventual pane é resolvida.
Enquanto nas engrenagens comuns a peça problemática é a que será analisada, na engrenagem educação, a peça defeituosa já é apontada instantaneamente: o professor! É triste, mas é real. Quem trabalha nessa área certamente já ouviu alguém dizer: "Vocês, professores, precisam criar novas estratégias" ou "Os professores tem a obrigação de despertar no aluno o interesse pelos estudos" ou, ainda, "Os professores são responsáveis por aqueles alunos que não obtiverem sucesso na vida". Parece que a única peça passível de apresentar problema é o professor. Que absurdo! E as outras peças? E as escolas sem nenhuma estrutura? E a coordenação pedagógica que, ao invés de orientar e trabalhar com os professores, limita-se a colocar alunos de volta na sala? E a família, que já incutiu em seus filhos opiniões e valores em descordo com as regras de bom convívio social? E os recursos tecnológicos ainda escassos em pleno século da tecnologia? E a gestão escolar, sem autonomia para resolver os problemas disciplinares que acontecem? E os alunos? Será que essa peça, a principal da engrenagem, não é suscetível a problemas? Será que os alunos são peças infalíveis? Obviamente, não.
Os alunos são, reconhecidamente, os atores principais da educação, as peças principais da engrenagem educação. Porém, é uma injustiça atribuir unicamente a eles a responsabilidade pelo seu sucesso e isentá-los de culpa quando do seu insucesso.
Seria extremamente positivo se cada peça dessa engrenagem chamada educação fosse analisada. Se as escolas recebessem investimentos pesados em infraestrutura e tecnologia; se os professores, coordenadores pedagógicos e gestores escolares fossem capacitados continuamente; se a famílias recebessem apoio psicossocial; se os alunos, enfim, tivessem um acompanhamento do poder público fora da escola também. Pois, como qualquer engrenagem, a educação só funcionará satisfatoriamente a partir do momento em que todas as peças estiverem desenvolvendo seu papel de maneira adequada.


UM ABRAÇO